Faço minha
caminhada diária percorrendo ruas da cidade. O ideal, mais saudável, seria
andar entre árvores, por alamedas. Exigir demais. Uma exigência não demais,
seria que os logradouros tivessem calçadas sem aqueles buracos, frestas, vãos,
verdadeiras armadilhas para uma queda, uma torção ou fratura do tornozelo.
Apesar dos
percalços sigo a caminhada. Hi... quem encontro. Maroca.
Maroca como
sempre elegante, em qualquer lugar. No mercado, na casa das amigas, na casa da
comadre Etelvina (principalmente lá para que ela não faça qualquer comentário
desairoso). Cabelos bem arrumados, com aquele irresistível charme do tom natural
grisalho. O rosto com maquiagem de leve base. O vestuário simples, vestido
gracioso de cores discretas. Sapato de salto baixo.
Assim
passeia Maroca com sua inseparável bolsa para carregar não se sabe o quê.
É bom
ressaltar que não se trata de apetrecho de “marca”, afinal Maroca é professora
aposentada recebendo salário em atraso.
Lá vai ela cheia
de estilo, posuda, pose com jeito de empáfia. Sempre foi assim na sua postura
altiva, que fazia com que, quando lecionava, ao entrar na sala de aula, os
alunos de pé a recebia e assim a reverenciava.
Cumprimento-a:
“Como vai Maroca?” (ela não admite ser chamada de dona).
Antes de
falar alguma coisa como resposta, dá para notar a fisionomia de jeito maroto,
mistura de satisfação e malicia, o sorriso irônico.
Diga Maroca,
digo eu: “Qual o motivo da satisfação”?
O semblante
agora inspira maldade. Maroca solta o verbo.
- Estou sim
muito satisfeita. O salafrário do Pôncio Pilatos de hoje, que condenou Dilma, o
patife do Judas atual que traiu Dilma, o fariseu cabotino foi cassado. Vai ser
deputado agora no quinto dos infernos. Sabe, por causa dele e tantos outros sem-vergonhas,
imorais, devassos, não vou participar da canalhice política, da eleição. Vou
protestar, já disse, vou anular meu voto.
- Maroca seguinte,
preste atenção: anular seu voto não vai anular coisa alguma
- Por que
não? Estou sabendo que se 51% dos votos forem nulos, a eleição é anulada.
- Não
Maroca. Explico. Se mais da metade dos eleitores faça a opção pelo voto nulo,
assim mesmo a eleição não poderá ser cancelada, será rigorosamente válida, isso
porque os votos nulos são descartados na contagem final. Dessa forma ganhará o
candidato que tiver o maior número de votos válidos. Então seu protesto nada
vale.
Digo mais.
Uma eleição só pode ser anulada mediante decisão da Justiça eleitoral tornando os
votos nulos, por crime eleitoral.
- Entendi.
Então vou votar em branco
- Não, não
adianta Maroca, trata-se da mesma coisa, o mesmo ditame do voto nulo, ou seja,
não terá nenhuma influência no resultado final da eleição. Tem mais, a
abstenção também não anula coisa alguma.
- Voto de
castidade, pode?
Bem, aí nada
sei. Sabe Maroca, votos nulos e brancos podem proporcionar uma situação
inusitada. Exemplo: numa eleição, no universo de 5 mil votos, descartando 4.990
votos nulos e brancos, o candidato que tiver mais votos entre os 10 válidos,
será eleito.
Digo tchau à
Maroca e ela ainda irritadíssima, cuspindo maribondos, diz:
- Nisso tudo,
votos nulos, brancos, de castidade, tenho uma certeza: tem um patife que
durante muitos anos não vai ganhar voto algum.