terça-feira, 25 de janeiro de 2011

A desgraça das águas

O município de Petrópolis situa-se a 68 quilômetros da cidade do Rio de Janeiro, na Serra dos Órgãos, com 840 metros de altitude. Petrópolis possui uma população de um pouco mais de 300 mil habitantes, conhecida também como Cidade Imperial, fundada por D. Pedro II. Conheci como simples turista, curioso pelo seu extraordinário Centro Histórico, do Museu Imperial, além do Palácio de Cristal, do Palácio Quintandinha, antigo cassino. De Petrópolis se percorre 30 quilômetros e se está em Teresópolis. É a mais alta das cidades da região com uma altitude de 870 metros e uma população de um pouco mais de 160 mil habitantes. Turisticamente, a montanha do Dedo de Deus, é o ponto de relevo mais importante.
Nova Friburgo, cidade de colonização suíça, fica distante 60 quilômetros de Teresópolis e a 140 do Rio. Conheci essa cidade não pelo turismo, mas pelo meu envolvimento com o futebol. Duas equipes são tradicionais no futebol local: Friburguense e o Fluminense.
As três cidades ficaram quase completamente destruídas em razão de uma verdadeira avalanche de lama, uma tromba de água que provocou deslizamentos com trágicos resultados, com centenas de vitimas.
A região serrana do Rio é parecida com a serra gaúcha em sua geografia. Por exemplo: as altitudes das cidades serranas fluminenses têm alguns metros a mais em relação a Farroupilha (780 metros). O clima no verão se equivale numa mesma temperatura com a média de 25º graus. No inverno a temperatura mínima na região serrana do Rio é de 10º graus. As distâncias das cidades serranas em relação as capitais se relacionam em quilômetros. Da cidade do Rio de Janeiro à Petrópolis a distância se compara de Farroupilha a Vila Scharlau. Do Rio a Teresópolis é como se ir de Farroupilha até Canoas. Rio de Janeiro até Nova Friburgo distância é pouco maior entre Caxias do Sul e Porto Alegre. No aspecto social outra comparação. Itaipava, distrito de Petrópolis é uma região de belas pousadas e bonitas residências ocupadas em período de férias por abastados cariocas, o que corresponde a Gramado com condomínios luxuosos para satisfação de ricos porto-alegrenses.
No entanto na topografia há fundamental diferença. As cidades serranas do Rio situam-se em vales circundadas por montanhas. Para se ter uma ideia mais clara, as cidades fluminenses poderiam ser comparadas a São Vendelino ou bairro de Galópolis em Caxias do Sul, locais de vales cercados por morros. Felizmente o desmatamento desenfreado, as construções indevidas, por aqui ainda não aconteceu. Não é o caso da região serrana do Rio. Pouco foi preservado com a loucura de construções irregulares. Agora de modo trágico a Natureza faz sua cobrança.

quarta-feira, 12 de janeiro de 2011

Feliz Ano Velho

O grupo de jovens aproveita o sol e calor para se divertir realizando um passeio em local apropriado, nas proximidades de uma cachoeira, a poucos dias da festa de Natal. Marcelo é um deles. Em determinado momento, de farra, exibicionista, avisa aos amigos que saltará numa piscina natural em busca de um suposto tesouro e para isso resolve dar um mergulho no lago. Naquele momento ele vê sua vida se transformar num pesadelo em questão de segundos. O espaço para saltar é amplo em largura, mas de pouca profundidade, um pouco mais de meio metro. O impacto é forte e trágico. A pouca quantidade de água não é suficiente para absorver com segurança o salto. Marcelo se choca com o piso de pedra. Fica tonto e com medo de morrer afogado. O corpo não responde aos movimentos, sente-se inerte, incapaz. Os amigos retiram do local, o conduzem ao hospital. Cirurgia, internamento em U.T.I, vértebra quebrada e irremediavelmente paraplégico. Começou no trágico mergulho a história contada no livro Feliz Ano Velho. De autoria de Marcelo Rubens Paiva - o rapaz do infeliz mergulho – é uma autobiografia, o relato verdadeiro do acidente que o vitimou e marcou toda uma geração de leitores dos anos da década de 80, tornando-se referência na literatura brasileira contemporânea. Marcelo, na juventude de seus 20 anos, esbelto, bonito e saudável tinha um provável futuro prodigioso, uma possível vida admirável, uma existência favorável pela frente. Filho de pais de classe média alta, de bem com a vida, incontáveis namoradas, muitos amigos do seu circulo de vivência, tratava-se de um bon-vivant na acepção correta da palavra, de viver no bem bom.
De repente sente-se recolhido, impotente, condenado a utilizar uma cadeira de rodas para se movimentar. Sempre quis tudo o que queria e a partir do acidente não mais poderia ter tudo como, por exemplo, o desejo de andar, correr, amar e viver plenamente. Ali estava ele fraco e vencido, na dependência dos familiares e amigos.
Foi o segundo trauma de Marcelo. O primeiro aos 11 anos. Viu seu apartamento ser invadido por bandidos travestidos de “agentes da lei” e com isso o “desaparecimento” de seu pai, o deputado federal Rubens Paiva, por ação da ditadura militar.
O acidente de Marcelo, seu segundo trauma, ocorreu dias antes do Natal, portanto um pouco mais de uma semana, para mais um ano terminar. Até antes do fatídico acontecimento para Marcelo havia sido um feliz ano velho, o mesmo não se poderia dizer para o novo ano.

Feliz Ano Novo

Cumprimento usual na virada de cada ano entre as pessoas: Feliz Ano Novo. Afora isso, essa costumeira saudação, esse período de tempo, me faz lembrar o conto do Rubem Fonseca, intitulado Feliz Ano Novo contido no livro de contos com mesmo título. Trata-se de um mordaz e realista texto do renomado autor, expondo cruelmente o contraste entre a classe marginalizada, os excluídos socialmente e a burguesia abastada e indiferente, cínica e hipócrita, ao que acontece nos recônditos, onde infesta a vida de indigentes, a sobrevivência de pobres miseráveis. Retrata com fidelidade as desigualdades históricas, revela com aspecto feio e repugnante as distorções e diferenças sociais. Narrado na primeira pessoa, do ponto de vista de um personagem que observa aos movimentos e preparativos para a chegada do Ano Novo, a propaganda intensa para a compra de presentes, roupas de luxo para as grã-finas, as elites saboreando comida e bebida importadas. Já se sabe desde a primeira linha de que, do estrato social, são retirados os protagonistas dessa história. No texto acumula-se o necessário para localizá-los em sua miséria: estão em lugar que cheira mal, entre drogas, bebidas e objetos roubados. São negros, feios, desdentados e analfabetos, ensina o narrador, que é um deles, companheiro de outros dois, Pereba e Zequinha.
O trio decide a realizar um roubo. Escolhe uma mansão onde os bacanas realizam uma sofisticada festa de réveillon. A residência é invadida. Os marginais ficam deslumbrados com o luxo da casa e a comparação é inevitável com o chiqueiro em vivem. Entre outros compartimentos, se deparam com o requinte do banheiro de grande banheira de mármore, num ambiente todo espelhado. Depois de olharem o esplendoroso banheiro, um deles resolve defecar sobre a rica colcha de cetim sobre a cama em um dos quartos, numa demonstração de ter seu significado vinculado ao pretenso desprezo do bandido pelo luxo presenciado. Trata-se de uma vingança social, moral, seja lá o que for. A vida para as pessoas assaltadas começa a valer muito pouco, sucumbidas diante da violência. O título Feliz Ano Novo – somente o título - conduz o leitor a uma falsa interpretação. Porém no decorrer da leitura do conto encontra-se outra realidade, dura e cruel, e outra versão para o título. Isso provoca um choque, pois há um grande contraste, uma profunda ironia, onde o título reflete apenas a alegria dos bandidos.
Depois de assassinatos, estupros e roubos de dinheiro e jóias na residência visada, os bandidos saboreiam comida e bebida também roubadas no indigente lugar onde sobrevivem, desejando entre eles Feliz Ano Novo.