quinta-feira, 28 de fevereiro de 2013

Pelo aplicativo...descobriu!!! Corno


A vida como ela é... em  tempo de tecnologia da telefonia celular.
O celular toca. A mulher verifica e sabe de onde vem a chamada e quem está ligando.
Pausa. Vacila. Atende ou não atende. O som do celular insiste, continua tocando.
Dúvida atroz.  Atende ou não atende. O celular persiste com aquele nunca e sem igual incomodo e irritante som agudo. Naquele instante mais do que aborrecido, o som naturalmente de nível baixo, chega aos seus ouvidos de forma estridente, demasiadamente vibrante, aflitivo e pungente. A vibração do som das ondas sonoras percorre todo o ambiente, um quarto envolvente e elegante, predominando a decoração vermelha, requintado em seus detalhes. O ruído do celular naquele momento é inconveniente, inoportuno, desfavorável.
 Arrepende-se.  Não deveria ter trazido ao local onde se encontra o aparelho. Fazer o quê?
Para a maioria das pessoas, como para ela, o celular é indispensável, no superlativo um vício.
Ela sabe. Infelizmente sabe. Tem certeza. É o marido quem telefona.
Está inconsolável, prestes a um distúrbio neurótico, a beira do histerismo, com sinais de uma distonia neurológica, manifestada pela contração involuntária de alguns músculos.
Sente-se fraca, combalida, alquebrada. Mais que a força física precisa da psicológica.
Atende ou não atende. Continua confusa, hesitante, insegura.
Tem medo. Sempre honesta em suas atitudes, autêntica em suas ações, verdadeira em seus atos, com todas essas virtudes, não lhe é permitido fingir ou enganar.
Por sua personalíssima retidão a consciência lhe cobra. Muito mais que isso forma-se em seu subconsciente um conflito entre id, ego e superego.
Na mão trêmula segura o celular que continua tocando próximo ao ouvido.
Atende ou não atende. Ainda há tempo para momentos de reflexão.
Relembra pela primeira vez quando aconteceu e depois se repetiu várias vezes, censurada de forma ultrajante, injuriada e difamada, agredida verbalmente, chamada de vadia e vagabunda entre impropérios menos ofensivos.
Numa segunda fase tudo foi mais violento: foi agredida fisicamente, estapeada ficou com hematomas no rosto.  Situação superada pelo pedido de desculpas e uma viagem de reconciliação, um fim de semana à Buenos Aires.
O tempo passou e mais adiante a cena repetiu-se.  Desculpas e outras noites portenhas, com jantares, vinhos, tangos e muito de falso amor, compensado pelo fazer sexo.  
Mas a maldade, ciúmes, o espírito de posse predominavam na personalidade maléfica do marido. Cenas de agressões, martírio, repetiram-se.
A vida agressiva do marido misturava-se as suas aventuras amorosas extraconjugais.
Ela tentou buscar defesa pela lei Maria da Penha. Não teve coragem. Não o fez. Sentiu-se temerosa e envergonhada. O temor e a vergonha de se apresentar numa Delegacia de Polícia.
Agredida, violentada, ressentia-se ainda pela falta de amor, de algo aconchegante, de um  companheiro amigo,afetivo, fiel, ela que de fato até ali, até o celular tocar, tinha sido companheira sofrida, a amiga desamada, mas sempre fiel.
Apesar disso tudo, sua consciência falou mais alto. De forma inocente, sem saber de nada atendeu o celular. Foi fatal. O marido ciumento, pretenso proprietário dos direitos da mulher, colocou no celular um aplicativo com GPS. Descobriu que ela estava num motel.
Como macho ficou indignado e revoltado. Sua honra ultrajada. Descobriu que era corno.







quarta-feira, 27 de fevereiro de 2013

Praxedes,o exemplo


Alguém por certo já ouviu falar do Praxedes. Quem nunca escutou nada sobre o nosso personagem, novamente aqui retratado, alguns detalhes sobre seu perfil são informados. Trata-se de um funcionário público!!! Opa desculpe. Retificação para o politicamente correto: servidor público de carreira, aprovado em concurso.
Praxedes é exemplar no desempenho da função pública. Idôneo, fiel cumpridor de suas obrigações funcionais. Tem o inato pendor da responsabilidade do unicamente certo. Cidadão de personalidade ilibada, figura impoluta de caráter sem jaça, probo, de indiscutível retidão, intocável em sua honestidade, um ser incorruptível e ao que parece no mundo dos espertos, preguiçosos, enganadores, velhacos, sem-vergonhas, cretinos, canalhas e espertalhões, espécime em extinção.
A repartição em que trabalha tem acumulo de serviço algo que não o assusta justamente porque ali trabalha com eficiência, competência, desvelo e carinho.
Trabalho é seu desígnio determinado, seu firme propósito, a realização pessoal, por isso não se importa com as obrigações em demasia. Nunca reclama. Vive do trabalho e pelo trabalho. Por suas virtudes profissionais, toda e qualquer enrolação administrativa, os mais difíceis rolos, desordem na organização, confusão com papéis, sempre tem alguém que recomenda: “Entrega lá para o Praxedes”.
Um barnabé diferente, modesto, simplista, de salário mensal de um pouco mais de três mínimos, profundamente cônscio de seus deveres, de integração total ao serviço. Desenvolve sua rotina funcional - o expediente de seis horas - numa pequena sala, acanhada, mas enorme para suas aptidões.
Às vezes ultrapassa em uma ou duas horas o horário estabelecido, o expediente normal. Horas extras a que tem justamente direito bem que poderiam ser cobradas sem qualquer constrangimento. Não o faz. De moral límpida jamais alguém poderia desconfiar da seriedade da cobrança, duvidar do trabalho realizado extraordinariamente.
Porém Praxedes não permitiria que houvesse o mínimo de um pensamento negativo, a dúvida do deslize, de ser confundido com falcatruas, com o comércio das horas extras.  Decididamente não quer saber de horas extras. Talvez por simples capricho.
Praxedes é um servidor público de muitos anos. Não falta muito tempo para se aposentar. Nesse passar de anos no serviço público, a cada eleição vê a troca nos cargos de confiança. São dezenas, em certas ocasiões até centenas de pessoas, ocupando os chamados Ccs gente de que por alguma maneira se faz por merecer uma “boquinha”, companheiros apaniguados, cabos eleitorais, militantes, parentes, conhecidos, vizinhos, amantes porque não, sempre tem uma vaguinha junto ao poder público.
A maioria estão ali para passar tempo, sim aqueles que comparecem. Tem gente que nem aparece ao local de trabalho que usufruem das benesses literalmente, sanguessugas do erário público, aproveitadores do dinheiro do contribuinte.
Praxedes se esfalfa com o trabalho. No salão contíguo lá estão os Ccs com o computador ligado. Puro fingimento se alguém pensar que se trata de trabalho. Não.
Na tela de alguns computadores se observa que malfadados Ccs buscam jogos. Há aqueles de massa cinzenta com parcos neurônios que se divertem com o joguinho de paciência. Aqueles beneficiados um pouco mais inteligentemente se aventuram com o freecell ou campo minado. Tem gente que não joga nada, prefere ver mulher pelada ou homem pelado. Afinal entre os Ccs há mulheres ou homens de dúbias opções sexuais.
E o Praxedes trabalhando.



sexta-feira, 8 de fevereiro de 2013

Amoça do chapéu preto


A fotografia é o registro implacável de um fato, testemunha de um acontecimento, congela um momento, trava um instante, cristaliza a beleza da imagem tão desejada, busca segurar o tempo, revive o passado. A memória pode ser confusa, as recordações não tão claras, mas o álbum de fotografias está pronto para as reminiscências.
A fotografia é emoção, a sensibilidade da imobilidade, retrata a paralisia de um rápido momento. Guarda o instante imperdível. Deixa o passado registrado, comunica e informa.
A fotografia não precisa de tradução. É universal, compreendida em qualquer idioma.
Ela reproduz ao infinito o que só ocorre uma vez. Será a constante repetição em qualquer momento de alguma coisa que talvez nunca mais irá se repetir. Imortaliza o momento único.
Voltar ao passado senão através do registro fotográfico. O clique de uma brevidade, o registro em pequena fração de tempo de um único e inesquecível momento.
Fotografar é marcar a magia do cotidiano, a captura para a eternidade. Uma fotografia torna tudo importante em cada detalhe.  Revela-se pelas cores. Nada deixa passar, nada é irrelevante. Por ela se registra a passagem pela vida. Muita coisa que poderia ser simplesmente uma ficção, a fotografia transpõe à realidade a dimensão de sonhos, o sentimento da felicidade vivida, o prazer da alegria intensa.
A fotografia não é somente o retrato dos bons e melhores momentos, da plena felicidade e alegria em viver. Arquiva, guarda a tristeza, como o registro que fica de uma ausência, a saudade em meio ao livro da coleção de retratos.
A fotografia é real, dura e autêntica. Revela o bem, a maldade. Nada esconde. Romântica com o encanto, com as belezas do mundo, radical com os seus opostos, guarda doloridas imagens.
A fotografia da criança, de olhar sereno, do sorriso inocente nos lábios se contrapõe a figura do velho decrépito de feição carcomida pelo tempo.
Fotografia reveladora do passar do tempo
A ave de penas de belíssimo colorido, altiva e imponente, faz seu suave voo. O tigre de profundos olhos verdes fotografado em sua indomável fúria.
Fotografia de plena afeição e do furor da cólera.
A fotografia da natureza tranquila e esplendorosa, outras de desastrosos fenômenos naturais.
A fotografia de gente bonita. O desespero de jovens cheios de vida, a tragédia de Santa Maria.
A fotografia percorreu o mundo. O anônimo em desabalada corrida pela rua na tentativa de salvar o desfalecido desconhecido. Início da tragédia anunciada.
Rapazes munidos de marretas e picaretas, com toda a força do mundo, arrebentando parede na tentativa de abrir um caminho para vida. A foto revela, testemunha a cena dramática.
A moça chora na extremidade, debruçada sobre o ataúde. O rosto coberto pelo chapéu preto, com uma fita azul ao seu redor, típico da indumentária gaúcha. Dela somente aparece os braços alvos e desnudos, no pulso feminino e delicado uma graciosa pulseira, as mãos de dedos finos e longos, as unhas embelezadas pelo esmalte rosa e cintilante. Com o rosto escondido chora em desespero. A fotografia revela toda a dor, a dramaticidade de uma dolorosa e inesquecível cena. A foto do vazio, da saudade, da ausência de alguém.  
 O namorado da moça do chapéu preto lhe pediu para segurar o chapéu preto enquanto iria ao banheiro. Naquele instante se desencadeou a tragédia. O rapaz não voltou. Nunca mais se viram. A moça ficou somente com o chapéu preto. A fotografia mostra.

sábado, 2 de fevereiro de 2013

Santa Maria, orai por nós


Inconcebível que há pessoas que se referem às questões relativamente tristes, ou não tão tristemente ruins, ou ainda simplesmente lamentáveis, como sendo tragédias. Empregam o substantivo tragédia de maneira banal, de forma leviana, em vão.
Há muitos exemplos do mau emprego da palavra no sentido mais profundo do que ela realmente significa. No futebol é usual e vezeiro alguém se referir ao lance infeliz ocorrido numa partida como uma tragédia.
Diz o treinador ao final do jogo em razão de uma – no jargão futebolístico - penalidade máxima mal marcada:
-  O juiz deu um pênalti inexistente. Sua atuação foi uma tragédia.
O time leva um gol aos 48 minutos do segundo tempo e perde o jogo. Lamentação do torcedor indevida e apelativa:
- Não podia ter acontecido. Foi uma tragédia.
Nesses casos corriqueiros e em muitos outros similares a referência dramática a um acontecimento fútil, aumentado numa dimensão desnecessária, se torna vulgar.
Tragédia tem como adjetivação um acontecimento que gera profunda lástima, de impressionante comoção, momento de terror quando a existência humana nada significa.
Tragédia é a morte estúpida, repentina, inesperada, catastrófica.
Tragédia é as mais de duas centenas de jovens mortos presos num local que se tornou incandescente, asfixiados por uma fumaça negra e venenosa, prensados, amassados, pisoteados, esmagados num cubículo - caso dos banheiros – transformado em câmara ardente.   Ali foram dados os últimos suspiros de muitas vidas.
Os banheiros pareciam ser o escape para a vida, a fuga providencial para desesperados jovens. Enganaram-se. A desgraça se consumou. Morreram de forma dramática queimados pelo fogo ou asfixiados pela nuvem enfumaçada tóxica e letal.
Se não fosse assim esse destino, o fato tenebroso deveria ser como em muitas festas. A preparação alegre, a saída e a volta.
Comumente o ritual se repete antecipando alguma festa. As jovens se encontram na casa de uma ou de outra. Conversam, falam da possibilidade de encontrarem os “gatos” da festa anterior. Produzem-se, retocam a maquiagem, tagarelam e alguém fala em ”ficar” com alguém, encontrar o namorado. Vão para a fatídica festa. Quantas ainda irão à próxima festa? Os rapazes se encontram para bebericar, tomar o chopinho, fazer o “esquenta” para a festa. Falam das gurias, de namoro, do ”ficar”, da alegria, do prazer de viver. Quantos deles poderão falar ainda alguma coisa da vida?
Todos cheios de vida foram à festa. Algumas horas depois a tragédia.  O fogo a fumaça.
Todos procuraram a vida por uma saída que na verdade era a entrada para a morte.
Muitos saíram para a festa, outros tantos jamais retornarão. Não vão mais para festa nenhuma, nem para a maior delas que é a vida.
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Ricardo, jovem farroupilhense, desventurado protagonista da desgraça em Santa Maria, retirado da vida pela tragédia, filho de Rosaura, doce, meiga e querida colega professora.  Rosaura e todas as mães envolvidas na estupidez, no infortúnio, na dramaticidade do inesperado não merecia a tragédia.