Inconcebível que há pessoas que se referem às questões
relativamente tristes, ou não tão tristemente ruins, ou ainda simplesmente
lamentáveis, como sendo tragédias. Empregam o substantivo tragédia de maneira
banal, de forma leviana, em vão.
Há muitos exemplos do mau emprego da palavra no sentido mais
profundo do que ela realmente significa. No futebol é usual e vezeiro alguém se
referir ao lance infeliz ocorrido numa partida como uma tragédia.
Diz o treinador ao final do jogo em razão de uma – no jargão
futebolístico - penalidade máxima mal marcada:
- O juiz deu um
pênalti inexistente. Sua atuação foi uma tragédia.
O time leva um gol aos 48 minutos do segundo tempo e perde o
jogo. Lamentação do torcedor indevida e apelativa:
- Não podia ter acontecido. Foi uma tragédia.
Nesses casos corriqueiros e em muitos outros similares a
referência dramática a um acontecimento fútil, aumentado numa dimensão desnecessária,
se torna vulgar.
Tragédia tem como adjetivação um acontecimento que gera
profunda lástima, de impressionante comoção, momento de terror quando a
existência humana nada significa.
Tragédia é a morte estúpida, repentina, inesperada,
catastrófica.
Tragédia é as mais de duas centenas de jovens mortos presos
num local que se tornou incandescente, asfixiados por uma fumaça negra e
venenosa, prensados, amassados, pisoteados, esmagados num cubículo - caso dos
banheiros – transformado em câmara ardente.
Ali foram dados os últimos
suspiros de muitas vidas.
Os banheiros pareciam ser o escape para a vida, a fuga
providencial para desesperados jovens. Enganaram-se. A desgraça se consumou.
Morreram de forma dramática queimados pelo fogo ou asfixiados pela nuvem
enfumaçada tóxica e letal.
Se não fosse assim esse destino, o fato tenebroso deveria
ser como em muitas festas. A preparação alegre, a saída e a volta.
Comumente o ritual se repete antecipando alguma festa. As
jovens se encontram na casa de uma ou de outra. Conversam, falam da
possibilidade de encontrarem os “gatos” da festa anterior. Produzem-se, retocam
a maquiagem, tagarelam e alguém fala em ”ficar” com alguém, encontrar o
namorado. Vão para a fatídica festa. Quantas ainda irão à próxima festa? Os
rapazes se encontram para bebericar, tomar o chopinho, fazer o “esquenta” para
a festa. Falam das gurias, de namoro, do ”ficar”, da alegria, do prazer de
viver. Quantos deles poderão falar ainda alguma coisa da vida?
Todos cheios de vida foram à festa. Algumas horas depois a
tragédia. O fogo a fumaça.
Todos procuraram a vida por uma saída que na verdade era a
entrada para a morte.
Muitos saíram para a festa, outros tantos jamais retornarão.
Não vão mais para festa nenhuma, nem para a maior delas que é a vida.
*** ***
Ricardo, jovem farroupilhense, desventurado protagonista da
desgraça em Santa Maria, retirado da vida pela tragédia, filho de Rosaura,
doce, meiga e querida colega professora.
Rosaura e todas as mães envolvidas na estupidez, no infortúnio, na
dramaticidade do inesperado não merecia a tragédia.
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