sábado, 2 de fevereiro de 2013

Santa Maria, orai por nós


Inconcebível que há pessoas que se referem às questões relativamente tristes, ou não tão tristemente ruins, ou ainda simplesmente lamentáveis, como sendo tragédias. Empregam o substantivo tragédia de maneira banal, de forma leviana, em vão.
Há muitos exemplos do mau emprego da palavra no sentido mais profundo do que ela realmente significa. No futebol é usual e vezeiro alguém se referir ao lance infeliz ocorrido numa partida como uma tragédia.
Diz o treinador ao final do jogo em razão de uma – no jargão futebolístico - penalidade máxima mal marcada:
-  O juiz deu um pênalti inexistente. Sua atuação foi uma tragédia.
O time leva um gol aos 48 minutos do segundo tempo e perde o jogo. Lamentação do torcedor indevida e apelativa:
- Não podia ter acontecido. Foi uma tragédia.
Nesses casos corriqueiros e em muitos outros similares a referência dramática a um acontecimento fútil, aumentado numa dimensão desnecessária, se torna vulgar.
Tragédia tem como adjetivação um acontecimento que gera profunda lástima, de impressionante comoção, momento de terror quando a existência humana nada significa.
Tragédia é a morte estúpida, repentina, inesperada, catastrófica.
Tragédia é as mais de duas centenas de jovens mortos presos num local que se tornou incandescente, asfixiados por uma fumaça negra e venenosa, prensados, amassados, pisoteados, esmagados num cubículo - caso dos banheiros – transformado em câmara ardente.   Ali foram dados os últimos suspiros de muitas vidas.
Os banheiros pareciam ser o escape para a vida, a fuga providencial para desesperados jovens. Enganaram-se. A desgraça se consumou. Morreram de forma dramática queimados pelo fogo ou asfixiados pela nuvem enfumaçada tóxica e letal.
Se não fosse assim esse destino, o fato tenebroso deveria ser como em muitas festas. A preparação alegre, a saída e a volta.
Comumente o ritual se repete antecipando alguma festa. As jovens se encontram na casa de uma ou de outra. Conversam, falam da possibilidade de encontrarem os “gatos” da festa anterior. Produzem-se, retocam a maquiagem, tagarelam e alguém fala em ”ficar” com alguém, encontrar o namorado. Vão para a fatídica festa. Quantas ainda irão à próxima festa? Os rapazes se encontram para bebericar, tomar o chopinho, fazer o “esquenta” para a festa. Falam das gurias, de namoro, do ”ficar”, da alegria, do prazer de viver. Quantos deles poderão falar ainda alguma coisa da vida?
Todos cheios de vida foram à festa. Algumas horas depois a tragédia.  O fogo a fumaça.
Todos procuraram a vida por uma saída que na verdade era a entrada para a morte.
Muitos saíram para a festa, outros tantos jamais retornarão. Não vão mais para festa nenhuma, nem para a maior delas que é a vida.
                                                                          *** ***
Ricardo, jovem farroupilhense, desventurado protagonista da desgraça em Santa Maria, retirado da vida pela tragédia, filho de Rosaura, doce, meiga e querida colega professora.  Rosaura e todas as mães envolvidas na estupidez, no infortúnio, na dramaticidade do inesperado não merecia a tragédia.

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