sexta-feira, 8 de fevereiro de 2013

Amoça do chapéu preto


A fotografia é o registro implacável de um fato, testemunha de um acontecimento, congela um momento, trava um instante, cristaliza a beleza da imagem tão desejada, busca segurar o tempo, revive o passado. A memória pode ser confusa, as recordações não tão claras, mas o álbum de fotografias está pronto para as reminiscências.
A fotografia é emoção, a sensibilidade da imobilidade, retrata a paralisia de um rápido momento. Guarda o instante imperdível. Deixa o passado registrado, comunica e informa.
A fotografia não precisa de tradução. É universal, compreendida em qualquer idioma.
Ela reproduz ao infinito o que só ocorre uma vez. Será a constante repetição em qualquer momento de alguma coisa que talvez nunca mais irá se repetir. Imortaliza o momento único.
Voltar ao passado senão através do registro fotográfico. O clique de uma brevidade, o registro em pequena fração de tempo de um único e inesquecível momento.
Fotografar é marcar a magia do cotidiano, a captura para a eternidade. Uma fotografia torna tudo importante em cada detalhe.  Revela-se pelas cores. Nada deixa passar, nada é irrelevante. Por ela se registra a passagem pela vida. Muita coisa que poderia ser simplesmente uma ficção, a fotografia transpõe à realidade a dimensão de sonhos, o sentimento da felicidade vivida, o prazer da alegria intensa.
A fotografia não é somente o retrato dos bons e melhores momentos, da plena felicidade e alegria em viver. Arquiva, guarda a tristeza, como o registro que fica de uma ausência, a saudade em meio ao livro da coleção de retratos.
A fotografia é real, dura e autêntica. Revela o bem, a maldade. Nada esconde. Romântica com o encanto, com as belezas do mundo, radical com os seus opostos, guarda doloridas imagens.
A fotografia da criança, de olhar sereno, do sorriso inocente nos lábios se contrapõe a figura do velho decrépito de feição carcomida pelo tempo.
Fotografia reveladora do passar do tempo
A ave de penas de belíssimo colorido, altiva e imponente, faz seu suave voo. O tigre de profundos olhos verdes fotografado em sua indomável fúria.
Fotografia de plena afeição e do furor da cólera.
A fotografia da natureza tranquila e esplendorosa, outras de desastrosos fenômenos naturais.
A fotografia de gente bonita. O desespero de jovens cheios de vida, a tragédia de Santa Maria.
A fotografia percorreu o mundo. O anônimo em desabalada corrida pela rua na tentativa de salvar o desfalecido desconhecido. Início da tragédia anunciada.
Rapazes munidos de marretas e picaretas, com toda a força do mundo, arrebentando parede na tentativa de abrir um caminho para vida. A foto revela, testemunha a cena dramática.
A moça chora na extremidade, debruçada sobre o ataúde. O rosto coberto pelo chapéu preto, com uma fita azul ao seu redor, típico da indumentária gaúcha. Dela somente aparece os braços alvos e desnudos, no pulso feminino e delicado uma graciosa pulseira, as mãos de dedos finos e longos, as unhas embelezadas pelo esmalte rosa e cintilante. Com o rosto escondido chora em desespero. A fotografia revela toda a dor, a dramaticidade de uma dolorosa e inesquecível cena. A foto do vazio, da saudade, da ausência de alguém.  
 O namorado da moça do chapéu preto lhe pediu para segurar o chapéu preto enquanto iria ao banheiro. Naquele instante se desencadeou a tragédia. O rapaz não voltou. Nunca mais se viram. A moça ficou somente com o chapéu preto. A fotografia mostra.

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