O deputado era um daqueles
representantes do povo que falava pouco, abria a boca somente para comer ou
bocejar. Conversar pouco, discursar jamais. Quando algum de seus colegas
falavam alguma coisa naquele estilo enfadonho de discursos alongados comum a
classe política, se aborrecia. O nosso amigo deputado chegava ao plenário da
Câmara sonolento, mostrando o jeito pachorrento, com o seu andar preguiçoso. Não
se sabe se prestava atenção nas mensagens orais, prolongadas e fantasiosamente
solene de seus colegas. Nas decisões por votação, o nobre parlamentar não
estava nem aí, de fato não prestava atenção para nada. Não era necessária sua
percepção, afinal votaria conforme determinação do líder da bancada. Fácil não
é mesmo, porque queimar neurônios?Obrigação cumprida sem esforço mental. Sessão
encerrada, mais um dia ganho com dinheiro público, contribuição obrigatória do
povo.
Fechou seu laptop, não se sabe a
necessidade dele aberto, provavelmente para enganar as câmeras da TV Câmara. No
primeiro ano de mandato todo mundo procurava entender seu procedimento. Seus colegas,
os mais experientes, de inúmeras legislaturas, tinham a observação simplista:
“ele é novo aqui”, justificando o seu excêntrico silêncio. Na verdade os
colegas mais antigos admiravam o procedimento do mais novo, sua quietude
parlamentar. Um a menos para ocupar a tribuna no espaço do pequeno expediente,
quando a maioria dos discursos dos parlamentares - aqueles desconhecidos do
conhecido “centrão”- que não interessam a ninguém, a não ser sua base
eleitoral, elogiando seus cabos eleitorais enviando fotos, gravações,
demonstrações de falso trabalho. No ano seguinte o silêncio do deputado persistia
e a grande maioria já conhecia o seu jeito de ser. Assim seja.
Passou o segundo ano legislativo. O deputado em questão
mantinha seu jeito de ser. Terceiro período na Câmara. Em sua base eleitoral
falava pouco, afinal na conversa se ganha voto. Vez por outra, colegas faziam troça
dele, chacota, piadas, hilariantes situações, para provocá-lo mas ele somente
ria.
O controvertido parlamentar, em seu
mandato, depois de ouvir milhares de vezes, vossa excelência, data vênia,
colenda casa, urge que, urgência urgentíssima, um aparte nobre colega. Num dia de sessão ordinária a grande surpresa.
O silencioso deputado repentinamente levantou-se da confortável cadeira de
couro, em plena discussão, soqueou a mesa com força provocando um barulho como
se fosse um estrondo chamando atenção de todas vossas excelências e pediu a
palavra, para outra vossa excelência, o presidente da Casa. Até o orador do
momento silenciou-se. Todos silenciaram.
Em meio a esse ambiente, a única coisa
ouvida era o fraco ruído dos microfones. Os parlamentares ansiosos aguardavam o
esperado momento. O silencioso deputado pronunciou meia dúzia de palavras e
então descobriram a razão do silêncio: o deputado tinha o distúrbio da fluência
da fala, gagueira.