segunda-feira, 27 de dezembro de 2010

Papai Noel não existe

Para a constatação e convicção de alguns adultos até então iludidos, para desencanto das crianças, para prejuízo daqueles que buscam trabalho temporário nessa época, Papai Noel não existe. A campanha de um bispo argentino é no mínimo inusitada. O prelado exige que se torne oficial a inexistência de Papai Noel. O bom velinho de roupa vermelha trata-se de uma mistificação, uma concorrência direta com o nascimento de Jesus Cristo. Gente grande que acredita em Papai Noel, que acreditava na vitória de Serra diante Dilma, na conquista do hexacampeonato mundial de futebol, oficialmente, segundo o bispo, pode desacreditar também em Papai Noel. Com a atitude do bispo quem irá entregar os presentes às criancinhas? Dano para o aposentado que se vestia de Papai Noel em busca de uns trocados a mais.
O bispo é da diocese na cidade de Resistência, capital da província de Chaco. Ele avisa:
- Não devemos nos confundir, não devemos misturar o Natal com isto que está por ai. Pais católicos têm a obrigação de contar a verdade sobre o Papai Noel aos filhos.
Para o bispo, Papai Noel é simplesmente “um homem de vermelho”.
- Outro dia perguntei a uma criança sobre o Natal, e ela me respondeu que sabia que a data havia chegado porque tinha cidra e panetone.
Na verdade o bispo fundamenta-se na materialização do Natal. Tornou-se um período atraente para a indústria do consumo, o mercantilismo desenfreado. O Natal tornou-se um acontecimento significativo com o aumento da atividade econômica. É natural e necessário que assim aconteça, mas não em demasia, com o exagero próprio de uma sociedade de consumo. O materialismo tornou-se tão preponderante que o aspecto religioso é colocado em segundo plano. O capitalismo devorador consome até a crença cristã. A imaterialidade, diante da dimensão da ausência da sensibilidade religiosa, ainda persiste pela fé de pouco em que o mais importante é a comemoração do nascimento de Cristo. Sou do tempo de criança, que guloseimas, a mesa farta e ostensiva de riqueza, eram perfeitamente dispensáveis. Sou da época, levado pelos meus pais, do Natal que se comemorava dentro de uma igreja com a celebração da Missa do Galo (diz a lenda que à meia-noite do dia 24 de dezembro, um galo teria cantado anunciando a vinda do Messias). Nem sei se ainda é celebrada a Missa do Galo, talvez por falta de crença. A certeza é de que uma missa, nos dias de hoje, à meia-noite, é uma temeridade.
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terça-feira, 21 de dezembro de 2010

Laranjada

Desempregado há quase um ano, encontra imensa dificuldade em ter um emprego regular. A difícil situação em busca de trabalho provém de parcos conhecimentos gerais. O ensino fundamental é incompleto. Trata-se do chamado analfabeto funcional. Certo dia lhe procura um individuo bem arrumado e não menos falante oferecendo emprego. A possibilidade de trabalho reflete-se no rosto alegre do excluído socialmente. Para tanto o desconhecido solicita documentos necessários: carteira de trabalho, identidade, CPF. De posse da documentação o sujeito informa que em dois ou três dias a situação se resolverá e o emprego garantido. Para isso fornece um endereço onde deverá encontrá-lo. No prazo estipulado, alegre e satisfeito, o iludido futuro empregado descobre que o endereço é falso. Tempo depois recebe uma constrangedora notificação: é intimado pela Justiça para dar explicações, sob pena de prisão. Evidentemente que ele foi induzido a servir interesses alheios de forma criminosa. Sua documentação foi usada de modo ilícito para falcatruas, entre elas o estelionato. A pessoa que é usada por terceiros para negócios fraudulentos é chamada no jargão policial de laranja.
É importante frisar que o assunto a seguir nada tem a ver com laranjas de ações criminosas, mas nem por isso deixam de ser laranjas.
Farroupilha está servindo de laranja. Uma moça é eleita Miss Brasil representando a cidade e nem daqui é. Usa um subterfúgio para se candidatar. Como sua cidade, Canoas, já tinha representante, buscou Farroupilha para dar sentido legal ao concurso. Aliás, isso é useiro e vezeiro em concursos de beleza, a utilização desse tipo de artimanha. Por algum motivo escolheu Farroupilha e será que ela teve permissão para usar o nome da cidade? A canoense, sem muita gente saber, transformou Farroupilha em terra de miss e de laranja. Não sei o que determina o regulamento do concurso, mas se há necessidade de comprovação de residência, a canoense praticou o crime de falsidade ideológica.
Farroupilha além de cidade laranja da beleza é também no esporte.
O tradicional Santos F.C. clube de futebol por excelência, está enveredando para o futsal fortemente, até com a contratação do craque Falcão. O clube não tem tradição salonista e veio fazer de Farroupilha, laranja. Como uma agremiação de futsal farroupilhense tem direitos adquiridos para disputar a Liga Nacional e Taça do Brasil os santistas aqui chegaram para buscar credenciais e disputar aquelas competições. Em troca da laranjada, ao que se diz, o Santos deverá oferecer jogadores a SERC Brasil. De repente quem sabe Neimar vem a Farroupilha jogar pelo Brasil. No sentido pejorativo, então, Farroupilha cidade laranja.

quarta-feira, 15 de dezembro de 2010

Os "gistas"

Homem com idade de presumíveis 60 anos. Não há certeza quanto a exatidão. Diríamos 60 e poucos, quase 70 provavelmente, mas com certeza trata-se de um sexagenário. Pelo tema a tratar nesse espaço, a idade é de vital importância. O nosso personagem sempre se gabou de uma suposta saúde de ferro e em razão disso não bebia água com receio de enferrujá-la. O líquido a ingerir, sem medo de ferrugem, era o vinho e acabou arranjando uma doença hepática. Vangloriava-se de nunca ter feito uma consulta médica. Médico para ele tratava-se de um profissional dispensável. Bom garfo como todo glutão, preguiçoso e sedentário, evidentemente fatores que o tornaram um individuo de acentuado sobrepeso. O único esforço a realizar é caminhar aproximadamente 100 metros, de casa até a bodega para um carteado.
Nem tudo é como a gente gosta. Durante alguns dias passou por persistente mal-estar que lhe causava desconforto, como cansaço, dificuldade para respirar e persistente ausência do fôlego. Os sintomas preocuparam a família. Insistiram para que fizesse uma consulta médica. De forma irredutível disse não. Os indícios de que a saúde deveria estar com problemas prosseguiram. Familiares e amigos lhe informaram que poderia ter problemas cardíacos. O nosso retratado tremeu nas bases, quando imaginou que poderia estar “sofrendo do coração”. De qualquer forma, mesmo contrariado, submeteu-se a comparecer num consultório médico. Momento da consulta. Sentiu-se abalado com a conversa inicial do cardiologista, nada agradável, depois do relato dos sintomas. São realizados exames, procedimentos simples, como auscultar o coração, medir a pressão arterial. A pressão mostrou-se irregular, alta para padrões normais, sujeita a provocar um enfarte. O controle terá que ser feito com medicação. Em razão da idade, para prevenir um AVC, o conhecido derrame cerebral, um exame de imagem da carótida foi feito. Plaquetas ínfimas foram observadas, sem maior perigo, mas é bom se precaver: um remédio para evitar a disseminação é fundamental. Um remedinho a mais, aproveitando a oportunidade medicamentosa. Não é demais outro produto para afinar o sangue. Com tudo isso sentiu a necessidade do médico. Depois do cardiologista no embalo da vez, buscou o gastroenterologista, o urologista, o proctologista, o dermatologista. Enfim tornou-se um dependente da preocupação com moléstias imaginárias. Qualquer dor de cabeça é motivo de preocupação doentia. O desejo dele era ter a sua disposição um médico especialista em diagnósticos tipo assim o dr.House, aquele do famoso seriado americano que descobre qualquer doença. O homem da saúde de ferro, que não gostava de médicos tornou-se um hipocondríaco.

terça-feira, 7 de dezembro de 2010

No meu tempo não era assim

Sou carioca, nascido no bairro de Botafogo. Não sou o chamado carioca da gema. Carioca da gema é quem tem os pais também cariocas. Meus pais eram gaúchos. Apesar de ter nascido na zonal sul a maior parte da minha existência foi vivida na zona norte. Conheço o Rio de ponta a ponta, do sul a norte, das praias até o bairro de Santa Cruz, na longínqua zona oeste, perto de Mangaratiba, Sepetiba, caminho para Angra dos Reis, em razão de uma peculiaridade: fui árbitro da Federação Carioca de Futebol, apitando em diversos campos de muitos bairros em jogos de uma segunda divisão de futebol. Barra pesada. Apitar jogo, por exemplo, em Realengo, perto da favela do Curral das Éguas, era altamente temeroso. Além da particularidade das arbitragens, sempre fui morador da zona norte, que é outra vida, completamente diferente da sofisticada zona sul. Morei primeiramente em Piedade, distante 20 minutos do centro da cidade em condução como o trem elétrico, hoje trensurb, bairro situado além do Meier, antes de Madureira. Entretanto a maior parte da vivência no Rio foi como morador em Anchieta, bairro que faz divisa com o município de Nilópolis. De ônibus, até o centro da cidade, pela avenida Brasil a distância é de aproximadamente 40 quilômetros, percorrida, conforme fluía o trânsito, entre 50 a 60 minutos. De trem diminuía sensivelmente o tempo. Questão de 30 minutos.
O tráfico de drogas no Rio de Janeiro foi se formando gradativamente. Para se entender é importante rever a história. A cidade do Rio de Janeiro foi capital do Brasil onde se situava o Distrito Federal com o governo central. Para não confundir, o estado do Rio de Janeiro, diferente geograficamente da cidade, tinha como capital a cidade de Niterói. Em 1960 com a mudança da sede da República que se estabeleceu em Brasília, a cidade do Rio de Janeiro tornou-se o estado da Guanabara, conforme plebiscito em 1963. Foi nesse período que começava a proliferar as favelas. O primeiro governador da Guanabara, Carlos Lacerda, tratou de desalojar os favelados transferindo-os para a Vila Kenedy e Cidade de Deus. Muitos favelados não aceitaram. Sair dos barracos da zona sul para prédios na longínqua zona oeste não era interessante. Coincidentemente ou não, na época, a favela do morro do Pasmado foi incendiada e conforme se comentava na ocasião, a mando do governo estadual.
Proliferavam as favelas, não o trafico de drogas. A partir dos anos 80 decididamente proliferavam as favelas e as drogas. Acentuou-se o tráfico, a bandidagem, o crime. Leonel Brizola assumiu o governo do Estado em 1983. Encontrou uma polícia truculenta e corrupta formada durante a ditadura militar. Primeiro com medo da violência policial e depois por interesses eleitorais evitava a entrada das forças de segurança nos morros favelados. Na verdade, em anos seguidos, a dobradinha PDT/PT se omitiu no combate ao crime o que permitiu que bandidos do tráfico fossem se organizando e se armando. Foi assim com Brizola, Anthony Garotinho, Benedita da Silva. O absurdo se ampliou. O tempo passou, um Rio romântico transformou-se em lupanar das drogas, reduto da bandidagem e do crime. No meu tempo de Rio de Janeiro não era assim em ternos de narcotráfico como hoje. Na verdade quase não existia. Drogas, como cocaína estavam restritas as festas do society. Os ricos, menos abonados, se satisfaziam com maconha. Era difícil e caro adquiri-las. Crack nem pensar. Pobre se contentava com a metade de um comprimido de Melhoral enfiado no meio de um cigarro, dando a impressão de leveza, de “viagem” ou, resolvia a satisfação alucinógena com um chá de cogumelo.
Hoje se encontra cocaína a granel a venda em alguma esquina. A maconha virou um produto popular. Dependendo da quantidade se compra papelotes por 2, 5 ou 10 reais.
O potencial das drogas ocorreu no segundo governo de Brizola e o de Rosinha Garotinho.
O crime aumentou. Os chefes do tráfico determinavam as comunidades como proceder. Exigiam o cumprimento de ordens às pessoas subjugadas, submissas ao crime. Não seguir as determinações, dívidas com o tráfico ou os chamados X9 (os alcagüetes que são informantes ou delatores) provocavam o julgamento sumário pela cúpula do tráfico, com condenação que poderia ser até mediante a morte pelo “micro-ondas”. Quem assistiu ao primeiro filme Tropa de Elite, há o episódio do jovem de classe média que comprava drogas junto aos traficantes para revender às turmas de amigos da zona sul. Comprava e não pagava. Provocou o seu fim trágico e doloroso: morrer pelo “micro-ondas” que consiste em colocar o “condenado” amarrado a um poste cercado por pneus. Gasolina atirada, fogo, pneus incendiados e a torturante tragédia consumada. Dessa forma, se afirma, morreu o jornalista Tim Lopes na Vila Cruzeiro, quando investigava os bailes funk e a prostituição infantil.
O futebol, como árbitro, conforme foi referido proporcionou-me conhecer dezenas de bairros. Na Penha, Vila Cruzeiro e no Complexo do Alemão não havia nenhum clube disputante de campeonato. Nas proximidades da região da Leopoldina (em razão do transporte coletivo de trens naquelas comunidades feito pela antiga Leopoldina Railway) únicos clubes participantes próximos eram o Olaria A.C. no bairro Olaria e o Bonsucesso F.C. em Bonsucesso. Conheci a Penha, ali pertinho da Vila Cruzeiro, em razão de algumas idas a igreja Nossa Senhora da Penha no alto de um penhasco e uma namorada na avenida Brás de Pina, no sopé do morro do Juramento, que faz parte do Complexo do Alemão. A subida, para a igreja da Penha é feita por intensa escadaria de cerca de 400 degraus, onde do alto se apreciava a baia da Guanabara e o hoje trágico complexo de favelas do Alemão. Tempo romântico que permitia de qualquer forma namorar onde hoje, até recentemente era impossível. A polícia invadiu e tomou conta de toda a região conflagrada, devolvendo a paz para aquelas comunidades, livres do jugo, da opressão dos bandidos. Mas até quando não se sabe, fica a dúvida.