Sou carioca, nascido no bairro de Botafogo. Não sou o chamado carioca da gema. Carioca da gema é quem tem os pais também cariocas. Meus pais eram gaúchos. Apesar de ter nascido na zonal sul a maior parte da minha existência foi vivida na zona norte. Conheço o Rio de ponta a ponta, do sul a norte, das praias até o bairro de Santa Cruz, na longínqua zona oeste, perto de Mangaratiba, Sepetiba, caminho para Angra dos Reis, em razão de uma peculiaridade: fui árbitro da Federação Carioca de Futebol, apitando em diversos campos de muitos bairros em jogos de uma segunda divisão de futebol. Barra pesada. Apitar jogo, por exemplo, em Realengo, perto da favela do Curral das Éguas, era altamente temeroso. Além da particularidade das arbitragens, sempre fui morador da zona norte, que é outra vida, completamente diferente da sofisticada zona sul. Morei primeiramente em Piedade, distante 20 minutos do centro da cidade em condução como o trem elétrico, hoje trensurb, bairro situado além do Meier, antes de Madureira. Entretanto a maior parte da vivência no Rio foi como morador em Anchieta, bairro que faz divisa com o município de Nilópolis. De ônibus, até o centro da cidade, pela avenida Brasil a distância é de aproximadamente 40 quilômetros, percorrida, conforme fluía o trânsito, entre 50 a 60 minutos. De trem diminuía sensivelmente o tempo. Questão de 30 minutos.
O tráfico de drogas no Rio de Janeiro foi se formando gradativamente. Para se entender é importante rever a história. A cidade do Rio de Janeiro foi capital do Brasil onde se situava o Distrito Federal com o governo central. Para não confundir, o estado do Rio de Janeiro, diferente geograficamente da cidade, tinha como capital a cidade de Niterói. Em 1960 com a mudança da sede da República que se estabeleceu em Brasília, a cidade do Rio de Janeiro tornou-se o estado da Guanabara, conforme plebiscito em 1963. Foi nesse período que começava a proliferar as favelas. O primeiro governador da Guanabara, Carlos Lacerda, tratou de desalojar os favelados transferindo-os para a Vila Kenedy e Cidade de Deus. Muitos favelados não aceitaram. Sair dos barracos da zona sul para prédios na longínqua zona oeste não era interessante. Coincidentemente ou não, na época, a favela do morro do Pasmado foi incendiada e conforme se comentava na ocasião, a mando do governo estadual.
Proliferavam as favelas, não o trafico de drogas. A partir dos anos 80 decididamente proliferavam as favelas e as drogas. Acentuou-se o tráfico, a bandidagem, o crime. Leonel Brizola assumiu o governo do Estado em 1983. Encontrou uma polícia truculenta e corrupta formada durante a ditadura militar. Primeiro com medo da violência policial e depois por interesses eleitorais evitava a entrada das forças de segurança nos morros favelados. Na verdade, em anos seguidos, a dobradinha PDT/PT se omitiu no combate ao crime o que permitiu que bandidos do tráfico fossem se organizando e se armando. Foi assim com Brizola, Anthony Garotinho, Benedita da Silva. O absurdo se ampliou. O tempo passou, um Rio romântico transformou-se em lupanar das drogas, reduto da bandidagem e do crime. No meu tempo de Rio de Janeiro não era assim em ternos de narcotráfico como hoje. Na verdade quase não existia. Drogas, como cocaína estavam restritas as festas do society. Os ricos, menos abonados, se satisfaziam com maconha. Era difícil e caro adquiri-las. Crack nem pensar. Pobre se contentava com a metade de um comprimido de Melhoral enfiado no meio de um cigarro, dando a impressão de leveza, de “viagem” ou, resolvia a satisfação alucinógena com um chá de cogumelo.
Hoje se encontra cocaína a granel a venda em alguma esquina. A maconha virou um produto popular. Dependendo da quantidade se compra papelotes por 2, 5 ou 10 reais.
O potencial das drogas ocorreu no segundo governo de Brizola e o de Rosinha Garotinho.
O crime aumentou. Os chefes do tráfico determinavam as comunidades como proceder. Exigiam o cumprimento de ordens às pessoas subjugadas, submissas ao crime. Não seguir as determinações, dívidas com o tráfico ou os chamados X9 (os alcagüetes que são informantes ou delatores) provocavam o julgamento sumário pela cúpula do tráfico, com condenação que poderia ser até mediante a morte pelo “micro-ondas”. Quem assistiu ao primeiro filme Tropa de Elite, há o episódio do jovem de classe média que comprava drogas junto aos traficantes para revender às turmas de amigos da zona sul. Comprava e não pagava. Provocou o seu fim trágico e doloroso: morrer pelo “micro-ondas” que consiste em colocar o “condenado” amarrado a um poste cercado por pneus. Gasolina atirada, fogo, pneus incendiados e a torturante tragédia consumada. Dessa forma, se afirma, morreu o jornalista Tim Lopes na Vila Cruzeiro, quando investigava os bailes funk e a prostituição infantil.
O futebol, como árbitro, conforme foi referido proporcionou-me conhecer dezenas de bairros. Na Penha, Vila Cruzeiro e no Complexo do Alemão não havia nenhum clube disputante de campeonato. Nas proximidades da região da Leopoldina (em razão do transporte coletivo de trens naquelas comunidades feito pela antiga Leopoldina Railway) únicos clubes participantes próximos eram o Olaria A.C. no bairro Olaria e o Bonsucesso F.C. em Bonsucesso. Conheci a Penha, ali pertinho da Vila Cruzeiro, em razão de algumas idas a igreja Nossa Senhora da Penha no alto de um penhasco e uma namorada na avenida Brás de Pina, no sopé do morro do Juramento, que faz parte do Complexo do Alemão. A subida, para a igreja da Penha é feita por intensa escadaria de cerca de 400 degraus, onde do alto se apreciava a baia da Guanabara e o hoje trágico complexo de favelas do Alemão. Tempo romântico que permitia de qualquer forma namorar onde hoje, até recentemente era impossível. A polícia invadiu e tomou conta de toda a região conflagrada, devolvendo a paz para aquelas comunidades, livres do jugo, da opressão dos bandidos. Mas até quando não se sabe, fica a dúvida.
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