quarta-feira, 23 de abril de 2014

Judas: pancada e porrada

Era bem assim. Faz tempo. Semana Santa. Igreja do Divino Salvador, paróquia dos padres da Congregação dos Salvatorianos, no bairro Piedade, zona norte (RJ).
Como coroinha participava ativamente da liturgia, das cerimônias estabelecidas pelo ritual da Igreja que começava no domingo de ramos.
A imensa porta de madeira fechada no frontispício da igreja.
Pequena multidão do lado de fora agita incontáveis ramos, inumeráveis folhagens, de forma entusiasmada, com indescritível alegria, com a determinação da crença religiosa, a fé cristã.
O celebrante, com um cajado à mão, bate três vezes na porta e ela então se abre. 
Dessa forma, ali, naquele local paroquial, se reproduzia e se comemorava a entrada 
de Jesus Cristo em Jerusalém.
Eu estava lá, ajudando o padre, com a vestimenta adequada e determinada: batina vermelha, com uma sobrepeliz branca, rendada nas mangas e na barra inferior.
Quinta-feira santa é o dia em que Jesus e seus discípulos participam da Última Ceia. Cristo demonstra humildade lavando os pés dos apóstolos.
Na comunidade, na quinta-feira à noite, Jesus Cristo é o padre que lava os pés de fiéis. Um coroinha auxilia carregando um vasilhame com água. Eu sou o outro coroinha que trás uma toalha para os pés serem enxugados.
Naquele tempo quinta-feira santa era santa mesmo. Feriado. Hoje, ao que parece, nem ponto facultativo é mais.
Sexta-feira santa, para os cristãos, dia soturno, envolvido por uma atmosfera silenciosa e tristonha: Paixão e Morte de Cristo. A liturgia nessa sexta consisti numa procissão denominada popularmente, procissão do “Senhor Morto”.
Coroinha, lá estava na cerimônia. De modo compungido, enternecido, de maneira solene, tocava a matraca, instrumento de madeira onde estão presos pedacinhos de metal que quando sacudido produz som, na verdade estalos quase silenciosos, um ruído fúnebre quase inaudível, em razão da sonoridade cadenciada, repetitiva, monótona e tristonha. A característica do som religiosamente significa a introspectividade, respeito, paixão e piedade.
Sábado de aleluia, domingo da Páscoa. Ressurreição, alegria, missas festivas, comemorações. Eu, coroinha ajudando nas festividades.
No interior da igreja, na nave, outra aparência com a Páscoa. Estatuas e imagens de santos e anjos descobertas, depois de uma quaresma coberta com panos de cor roxa do mundo místico, da paixão, da espiritualidade, mistério.
Agora a cor púrpura, o vermelho da alegria, da vida.
Na Semana Santa entre tristezas e alegrias, o sábado de Aleluia quando acontecem brincadeiras, o alegre humor, a diversão, paradoxalmente, a malhação.
A malhação de Judas, discípulo traidor é hoje em dia representado por congêneres e genéricos, nas mais diversas atividades.
A malhação do Judas tinha dia e hora marcada para acontecer: Sábado de Aleluia, 10 horas pela manhã. No alto do poste lá estava pendurado o boneco de pano, o Judas a ser malhado, retratando alguém do bairro, da cidade, mas principalmente os políticos.
Para se saber quem seria aquele Judas condenado a malhação diversos bilhetes com vários nomes eram colocados em sua roupagem, identificado os políticos.
Começava a malhação. A turma se divertia, extravasava-se.
A ira contra a classe política era exteriorizada de forma forte.
O Judas político sofria. Apanhava muito, pancada por todos os lados, cacetada pelo corpo: cabeça, tronco e membros.
O Judas político, corrupto, traidor da honestidade, da confiança do eleitor, enganador do povo, foi tão surrado que despencou do poste.
Caído no chão, quase destroçado foi ainda chutado, pisoteado e finalmente com a mais febril da raiva, porém com alegria (parece ser um contrassenso, mas com Judas vale), foi literalmente judiado, depois queimado e finalmente destruído, sobraram as cinzas que foram lavadas, com vivas da multidão no sábado de Aleluia.       

    

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