Era bem
assim. Faz tempo. Semana Santa. Igreja do Divino Salvador, paróquia dos padres
da Congregação dos Salvatorianos, no bairro Piedade, zona norte (RJ).
Como
coroinha participava ativamente da liturgia, das cerimônias estabelecidas pelo
ritual da Igreja que começava no domingo de ramos.
A imensa
porta de madeira fechada no frontispício da igreja.
Pequena
multidão do lado de fora agita incontáveis ramos, inumeráveis folhagens, de forma
entusiasmada, com indescritível alegria, com a determinação da crença
religiosa, a fé cristã.
O celebrante,
com um cajado à mão, bate três vezes na porta e ela então se abre.
Dessa forma,
ali, naquele local paroquial, se reproduzia e se comemorava a entrada
de Jesus
Cristo em Jerusalém.
Eu estava
lá, ajudando o padre, com a vestimenta adequada e determinada: batina vermelha,
com uma sobrepeliz branca, rendada nas mangas e na barra inferior.
Quinta-feira
santa é o dia em que Jesus e seus discípulos participam da Última Ceia. Cristo
demonstra humildade lavando os pés dos apóstolos.
Na
comunidade, na quinta-feira à noite, Jesus Cristo é o padre que lava os pés de
fiéis. Um coroinha auxilia carregando um vasilhame com água. Eu sou o outro coroinha
que trás uma toalha para os pés serem enxugados.
Naquele
tempo quinta-feira santa era santa mesmo. Feriado. Hoje, ao que parece, nem
ponto facultativo é mais.
Sexta-feira
santa, para os cristãos, dia soturno, envolvido por uma atmosfera silenciosa e
tristonha: Paixão e Morte de Cristo. A liturgia nessa sexta consisti numa
procissão denominada popularmente, procissão do “Senhor Morto”.
Coroinha, lá
estava na cerimônia. De modo compungido, enternecido, de maneira solene, tocava
a matraca, instrumento de madeira onde estão presos pedacinhos de metal que
quando sacudido produz som, na verdade estalos quase silenciosos, um ruído fúnebre
quase inaudível, em razão da sonoridade cadenciada, repetitiva, monótona e
tristonha. A característica do som religiosamente significa a
introspectividade, respeito, paixão e piedade.
Sábado de
aleluia, domingo da Páscoa. Ressurreição, alegria, missas festivas,
comemorações. Eu, coroinha ajudando nas festividades.
No interior
da igreja, na nave, outra aparência com a Páscoa. Estatuas e imagens de santos
e anjos descobertas, depois de uma quaresma coberta com panos de cor roxa do mundo
místico, da paixão, da espiritualidade, mistério.
Agora a cor
púrpura, o vermelho da alegria, da vida.
Na Semana
Santa entre tristezas e alegrias, o sábado de Aleluia quando acontecem brincadeiras,
o alegre humor, a diversão, paradoxalmente, a malhação.
A malhação de
Judas, discípulo traidor é hoje em dia representado por congêneres e genéricos,
nas mais diversas atividades.
A malhação
do Judas tinha dia e hora marcada para acontecer: Sábado de Aleluia, 10 horas pela
manhã. No alto do poste lá estava pendurado o boneco de pano, o Judas a ser
malhado, retratando alguém do bairro, da cidade, mas principalmente os
políticos.
Para se
saber quem seria aquele Judas condenado a malhação diversos bilhetes com vários
nomes eram colocados em sua roupagem, identificado os políticos.
Começava a
malhação. A turma se divertia, extravasava-se.
A ira contra
a classe política era exteriorizada de forma forte.
O Judas político
sofria. Apanhava muito, pancada por todos os lados, cacetada pelo corpo:
cabeça, tronco e membros.
O Judas
político, corrupto, traidor da honestidade, da confiança do eleitor, enganador
do povo, foi tão surrado que despencou do poste.
Caído no chão,
quase destroçado foi ainda chutado, pisoteado e finalmente com a mais febril da
raiva, porém com alegria (parece ser um contrassenso, mas com Judas vale), foi
literalmente judiado, depois queimado e finalmente destruído, sobraram as
cinzas que foram lavadas, com vivas da multidão no sábado de Aleluia.
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