sábado, 24 de dezembro de 2011

Missa do Galo

Minha infância, na tenra idade. Faz tempo, muito tempo. Um tempo dos natais de antigamente que a memória não apaga. Conservo a lembrança do passado vivido no aconchego do lar, no âmago familiar, no relacionamento intimista de quem nos é caro e na verdadeira prática do Natal que é religiosa.
Natal daqueles tempos simples, mas autêntico pela crença cristã do nascimento de Jesus Cristo, em que Papai Noel significava uma figura prosaica que perdeu no passar dos anos seu encantamento poético e lúdico, por demasiada fantasia, pela exploração comercial. Natal do tempo atual em que adquirir presentes é a imagem clara de desenfreado consumismo, alegria de vorazes comerciantes e de templos mortificadores (shoppings), encantados e reluzentes da sociedade libertina consumidora.
Era bem assim Natal de uma época. Morava num bairro da zona norte, chamado Piedade, numa casa da avenida Suburbana (hoje Dom Helder Câmara) nº 8.432, Rio de Janeiro. Nesse endereço em muitos natais, na véspera do dia natalino a família reunia-se. A mesa simples, coberta por uma toalha de linha branco engomada, circundada por renda de crochê – certamente herança de avós - estava postada para a ceia. Não havia exageros em guloseimas, nem poderia ter: a família vivia próxima à pobreza. Na verdade não se tratava de uma ceia, mais parecia uma singela refeição. O primordial eram as rabanadas e as rodelas de abacaxi preparadas pela minha mãe. Gostosíssimas. Às vezes a mesa ficava um pouco mais sofisticada com castanhas, amêndoas e nozes, advindas de uma alguma cesta de Natal recebida. O vinho não poderia faltar para os adultos. Tratava-se do tinto Sangue de Boi, que segundo comentários era tão adocicado que parecia suco de uva. Antes, o ritual tradicional da entrega de presentes de forma humilde sem qualquer exagero, poucos na verdade, pelo estado depauperado de recursos da família. Invariavelmente no Natal um caminhãozinho de madeira para mim, uma boneca de trapo para minha irmã. Após isso e de saborear os quitutes, íamos dormir.
Por volta das 11 e meia éramos acordados, nos arrumávamos e seguíamos o caminho da igreja para assistir a liturgia da Missa do Galo. Sabia que a missa de Natal teria que ser assistida, mas porquê a Missa do Galo? Na minha ingenuidade infantil acreditava que na hora da missa cantava o galo. Mais tarde a curiosidade foi satisfeita pelo que verdadeiramente significava. Nossa casa situava-se meia dúzia de quadras da igreja do Divino Salvador, da congregação dos padres salvatorianos. A hora não importava para chegar até lá. Sem medo. Furtos, roubos quase não existiam.
Missa do Galo assistida como a maior festividade natalina. Retorno para casa e o início de um lindo dia de Natal. Os tempos são outros. Valores religiosos perdidos como a Missa do Galo à meia-noite. Hoje, se é que ainda é rezada, às 18 horas. Temor pela violência ou efeito do Natal consumista, dominado pelo materialismo com a essência cristã perdida.

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