sexta-feira, 2 de novembro de 2012
O viúvo, a viúva
No calendário está definido: dia 2 de novembro, Dia de Finados, data tradicional para se homenagear os falecidos, um dos cultos mais antigos, reverenciado pela humanidade. Dia em que aqueles que ainda estão vivos visitarem aqueles que já morreram – obviedade natural e incontestável -, sepultados em dantescos túmulos, localizados em tétricos cemitérios, vocabulário sinistro de acordo com um assunto que poucos tratam.
Todos aqueles dotados de vida ainda hoje veneram os sem vida, transformados em defuntos, tributo respeitoso realizado junto aos sepulcros. Todavia, na verdade, no futuro, na ordem da continuidade da modernidade, até se tratando dos finados, os vivos já não encontrarão cemitérios, os mortos não serão enterrados. Serão cremados e então os ditos “campos santos” se transformarão em logradouros ou condomínios. O Dia de Finados como visitação aos mortos acabará, como acabou as manifestações de luto.
Faz tempo. Muito tempo. Tempo de antigamente. O parente, o familiar, aquele que passou a ser um finado, sempre era reverenciado por indumentárias, ou algum outro sinal externo aplicado nas roupas, uma tarja, uma braçadeira, ou um pequeno laço.
Esse tipo de manifestação, de luto, obrigatoriamente durava um ano.
Leopoldo ficou viúvo. Um jovem viúvo, assim como a jovem falecida. A doença incurável, rápida e irreversível, consumiu a vida de Miloca brevemente. Começou a definhar, enfraquecida ficou desmilinguida, seu aspecto físico cadavérico. Miloca morreu, Leopoldo viúvo. A partir desse acontecimento, em respeito à falecida, o sentimento de perda foi expressado pelo luto. Costumeiramente passou a usar sempre uma fatiota de cor preta e sobreposta na lapela uma tarja também escura. A variação ocorria quando a tarja na lapela era trocada por uma braçadeira no braço esquerdo. Numa indumentária menos convencional, sempre uma calça preta e uma camisa branca – colorida jamais – no lado esquerdo do peito o símbolo do luto, um laço em forma de V invertido e transpassado. Sempre com um desses tipos de traje, luto durante um ano. Nesse período, esperançosas pretendentes, faiscantes donzelas, esbeltas sirigaitas, com a intenção serem o novo amor do viúvo bonito e charmoso precisavam de paciência. Somente aguardar o fim da manifestação do tradicional luto e então Leopoldo, sem aquela roupa preta, verdadeiramente sem roupa nenhuma. Vontade movida pela libido das espevitadas raparigas.
*** ***
Belmira, uma jovem balzaquiana, bonita e gostosa, de seus 30 e poucos anos ficou viúva. O finado era mais velho, mas boa pessoa. Oferecia, dava tudo que Belmira desejava. Um dia o marido teve um piripaque, um enfarto, parada cardíaca, ou convulsão, enfim qualquer uma dessas patologias. Foi fulminante, bateu as botas, foi para a cidade dos pés juntos. Sei lá, o motivo não se sabe, mas dizem até que saiu dessa para melhor. Belmira viúva e que viúva. Como era daquele tempo de usar luto fechado, em homenagem ao falecido se envolveu em roupa preta. Vestido, sapato, meia e afirmam pessoas de sua intimidade, até a lingerie era de cor preta. Durante um ano foi sua vestimenta invariavelmente. Assim mesmo, toda de preto, Belmira vislumbrava aos homens toda a forma de desejo. Ela era provocativa, até mesmo sem querer, sem qualquer maldade, acredita-se, quando usava a meia-calça ou meias pretas, finas e transparentes, ou rendadas. Dessa forma deixava transparecer a cor alva, branquíssima de suas pernas. Um ano de luto. Os homens faziam uso da imaginação quando o instinto sexual se expressava. Imaginar Belmira, de luto, de roupa íntima, unicamente de calcinha e soutien pretos.
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