segunda-feira, 30 de novembro de 2015

Novembro Azul

Faz algum tempo. Há aproximadamente 10 anos realizei o primeiro exame de toque retal para verificação de um possível câncer de próstata. Sempre relutei em fazer esse tipo de diagnóstico, muito pelo constrangimento. A prevenção, o diagnóstico precoce só acontecia pelo exame do PSA.
A primeira vez aconteceu por teimosia e influência de minha mulher. Decidida, severa e enérgica, ponderou para depois argumentar, o receio que tem os homens de procurar um médico, a falta de coragem para vencer seus medos, a vergonha de realizar um exame como o toque retal.
O questionamento de minha mulher para o meu convencimento foi feito ao comentar e discorrer a decisiva vontade das mulheres em saber de sua saúde nem que para isso tenha que submeter ao desconforto das apalpadas nas mamas ou, a incômoda e desagradável posição para o exame papanicolau.
Fui persuadido. Consultei-me com médico especialista e depois passou a ser rotina. A cada ano tudo bem. A cada toque a normalidade da próstata, cada exame do PSA a variação entre 1.5 a 1.8 ng/ml de sangue. O PSA é uma proteína encontrada no sangue cujo nível acima de ng/ml 4.0, pode indicar doenças na próstata.
Pois bem. Dois anos atrás mais uma consulta. O PSA, tudo bem, na baixa medida de sempre, mas no toque retal o médico notou uma incidência: a próstata apresentava tamanho anormal. Poderia ser um engrandecimento puro e simples, um tumor benigno ou câncer.
Necessidade de um diagnóstico mais positivo para saber-se de qual patologia se tratava e por a isso a biopsia.
O estado de ânimo em baixo astral. Tento me persuadir que não há moléstia. Trata-se um exame rotineiro, uma formalidade, reflito e tento acreditar. Mas, no âmago da consciência, na intimidade do id, revela-se tratar-se de uma enfermidade: câncer.
Resultado da biopsia levado ao médico, resultado que informa a necessidade de fazer um exame mais apurado em São Paulo. A indispensável investigação me faz desconfiar, mas do que nunca a certeza: câncer. Foi isso que me comunicou o médico diante do resultado paulista.
Abriu o jogo e me colocou duas opções: cirurgia ou radioterapia. Sua preferência a cirurgia. E assim iria ocorrer, embora eu preferisse a radioterapia – medo. Numa próxima consulta o médico notou meu vacilo diante do procedimento cirúrgico. Na minha frente telefona para seu colega urologista em Porto Alegre e esse indica um médico radioterapeuta. Dias após comecei meu tratamento. Foram 37 sessões de segunda a sexta-feira. Ao final, exame de PSA, primeiro depois do tratamento, 1,2 ng/ml. Três meses após, PSA 0,9. Decorre o tempo, mais consulta e mais exame 0,2. O médico em Porto Alegre me diz para comprar um bilhete lotérico, estava com sorte. O que entendi que estava curado. Recentemente consulta e exame com o urologista em Caxias. Depois de dois anos o nível do PSA deu como resultado menos 0,1. O médico me informou que posso morrer de qualquer coisa, menos de câncer de próstata. Novembro Azul.

Minha mulher perspicaz e insinuante tinha toda a razão (todas as mulheres tem razão) no benéfico e determinante aconselhamento. Obrigado.   

Crônica de uma morte anunciada

Ângela acusa o jovem Santiago de tê-la desonrado. Seus irmãos pelo ignóbil ato praticado, em nome da honra, da dignidade familiar, pela vingança, matam Santiago. A desforra iminente, a represália esperada, a punição pelo crime anunciada, por tudo isso, nada salvaria Santiago de seu funesto destino. Sabia-se que ele morreria, a comunidade tinha conhecimento, de que o crime estava premeditado. Nada se fez.
Esse enredo no livro “Crônica de uma morte anunciada”, texto do magistral Gabriel Garcia Marques, serve de paradigma, o título paráfrase usual, para tudo aquilo que sabemos que irá acontecer, o sentimento premonitório de que uma tragédia possa ocorrer nada se faz, providências para se evitar uma catástrofe não são tomadas.
Relembremos somente duas. Uma ocorrida há pouco mais de dois anos, em Santa Maria e outra recentemente no município de Mariana.
Na primeira, as necessárias precauções contra incêndio, a segurança do público, nunca foram efetivamente e corretamente avaliadas. Deu no que deu: mais de duas centenas de jovens morreram pelo descaso, pelo relaxamento da autoridade pública. Crônica de uma tragédia anunciada.
Na segunda, a ganância de uma multinacional, a voracidade pelos ganhos de capital proporcionou um verdadeiro tsunami de detritos, a mistura de resíduos de metais com perenes rios, compôs um lamaçal destruidor.
O lucro capitalista é maior quando não se tem maiores despesas com a segurança do trabalho, daí, a crônica anunciada da destruição.
No entanto nem todos os acontecimentos desastrosos alinham-se como uma crônica anunciada.
Os terríveis, horrendos e fatídicos atos terroristas não se enquadram como atos anunciados. O máximo de quase uma certeza nesses casos é de que de repente eles podem acontecer, são esperados não se sabe quando, a qualquer momento na surpresa trágica, de supetão sinistro e funesto.
 Assim vivem os parisienses em macabra expectativa. O terror está por perto, sabem que pode acontecer. Quando? Nada está anunciado.
Nesse clima de terror pelo mundo afora me empolga, me arrebata pela estupida violência o que ocorreu durante muitos anos na Colômbia, especialmente na cidade de Medellin, quando Pablo Escobar, histórico e poderoso traficante, com seu terrorismo colocou os colombianos em situação de total estresse. Interessei-me por Escobar por não acreditar que um ser humano fosse capaz de tanto terror, com centenas de assassinatos (inclusive de políticos como dois candidatos a presidência da República, senador e ministro de Estado), derrubada de um avião com explosivos (morreram mais de 100 pessoas), edifícios públicos dinamitados. Todo aquele horror da Colômbia naqueles anos de Escobar poderia ser comparado sem titubear, com as ações terroristas do Estado Islâmico. Interessei-me, para poder acreditar, onde pode chegar o rancor, o ódio, do ser humano para com o próximo.
Li Pablo Escobar, livro do jornalista Alonso Salazar que serviu de base para série Pablo Escobar: O senhor do tráfico, que assisti pela GloboSat. Vi pela Netflix, Narcos. Li o recente livro Pablo Escobar, Meu Pai, escrito pelo seu filho Juan Pablo Escobar. Exclusivamente nesse caso de terror proporcionado por Escobar na Colômbia, o colombiano Garcia Marques deveria acreditar mais do que nunca na crônica de uma terribilidade anunciada.




  

quarta-feira, 18 de novembro de 2015

RS: mais estrada: BR-2 Caxienses não gostaram / Pedágio coisa antiga

Pois bem. A comunidade caxiense ficou fula da vida quando soube que a BR-2 – a estrada que ligaria Jaguarão, na fronteira gaúcha até o Brasil continental – a principio teve seu traçado delineado passando por São Francisco de Paula, conforme narra Armando Antonello, em artigo publicado em jornal (A Gazeta Farroupilhense, abril de 1971).
O esboço da nova rodovia foi realizado pelo DNER (Departamento Nacional de Estradas de Rodagens) cujo diretor o engenheiro gaúcho Yeddo Fiuza, era candidato a presidência da República em 1945, pelo partido comunista (PCB). Os caxienses revoltados não concebiam o delineamento do projeto, sem passar por Caxias e convidaram Fiuza a visitar a região. Informa Antonello que Fiuza, conforme seu interesse, como candidato, aceitou o convite. Escreve Antonello: “Veio, viu e ouviu. Mostraram-lhe os luzentes faqueiros de prata, as gulodices metálicas, e fizeram-no sentir as forças vivas do trabalho e indicaram-lhe o caminho do dever”. Dessa forma, conhecendo a pujança do progresso caxiense, empreendeu um trajeto, com o interesse caxiense, que afinal seria a BR-2, percorrendo Morro Reuter, Dois Irmãos, Nova Petrópolis e Galópolis. Assim a construção da BR-2 (hoje BR-116) ocorreu como desejava a comunidade de Caxias do Sul. O citado artigo de Amando Antonello é intitulado “A próxima inauguração da RS-4” em que trata de modo geral das estradas de rodagem na região mas com detalhe importante: em determinada época (anos da década de 30) já ocorria a cobrança de pedágio. Escreve Antonello, reportando-se a bem antigamente, concernente ao pedágio: “Lá por São Leopoldo, a faixa de cimento à Porto Alegre era autofinanciada pelo pedágio, a razão de 1 centavo a cada 10 quilômetros, num total de 30 quilômetros”. Complementa seu pensamento, o primeiro prefeito de Farroupilha: “Quer dizer que ir a Porto Alegre era empreender uma viagem com pás, picaretas, tabuas, cordas, correntes e pedágio, - quando não viesse o aviso: “O Cadeia não dá passo”. O livro “Governar é abrir Estradas”, publicado pela Associação de Cimento Portland, informa que a estrada entre Porto Alegre e São Leopoldo, construída numa faixa de concreto, financiada pelas prefeituras de São Leopoldo e Gravataí (Canoas na época era distrito de Gravataí) foi inaugurada em 1934. Na ocasião, de São Leopoldo até Farroupilha, a condição da estrada Julio de Castilhos era a mais precária possível, por isso Antonello diz das dificuldades em viajar à Porto Alegre quando até São Leopoldo usava-se ferramentas diversas, saber se em dias de chuva o Rio Cadeia, afluente do Rio Cai, dava passo e além de tudo pagar pedágio. Quanto a inauguração da RS-4 (hoje RS-122), envolvendo pedágio, narra Antonello: “Tocou minha sensibilidade a recente declaração do governador do Estado quando afirma que o governo não pensa em cobrar pedágio nas rodovias ao seu cargo”. Complementa Antonello em seu raciocínio: “Nem pode. O pedágio pressupõe sempre duas amplas faixas de rolamento distintas onde seja absoluta a segurança, total conforto e máxima rapidez. Essa a trilogia do pedágio. Tudo o mais é temerário, incabível”.
Como se observa a privatização de estradas com cobrança de pedágio é tema de antigamente e bem atual.





  

RS: da antiga estrada Julio de Castilhos, a RS-4, o caminho até RS-122

O primeiro prefeito de Farroupilha (1934/37), o jovem Armando Antonello, 32 anos, nascido em 1902, falecido em 1973, com 71 anos, escreveu artigo no jornal “A Gazeta Farroupilhense” (abril 1972) relatando a ligação Farroupilha/Porto Alegre de antanho até aquele ano (1972), texto de importante valor histórico. Escreveu: “Dentro de poucos dias repetir-se-á pela terceira vez a velha caminhada traçada há 96 anos pelo calcanhar da imigração italiana, há 40 anos por Torres Gonçalves através da Julio de Castilhos e agora pelo asfalto através da RS-4”.
Antonello, quando diz que pela terceira vez a velha caminhada traçada há 96 anos, refere-se a primeira caminhada dos imigrantes italianos na subida da serra quase ao final no século XIX. A segunda, a partir de 1903, com o início da construção da estrada Julio de Castilhos. A terceira, nos anos 70, trata-se da construção RS-4 ligando Farroupilha à São Vendelino, hoje com a nomenclatura de RS-122.
 A construção da estrada Julio de Castilhos teve a responsabilidade do engenheiro Carlos Torres Gonçalves que por seu traçado ligaria São Sebastião do Cai à Vacaria.
De forma histórica em série e até mesmo romântica, segue Antonello em seu texto. “A todos esses caminhos marcados pela pata de burro, pela carreta ou pelo asfalto destaca-se a convergência na culminância da encosta: Farroupilha, daí irradiando-se para Caxias do Sul, Bento Gonçalves, Garibaldi, Antonio Prado e etc.”.
Em razão disso, ao seu tempo, a Julio de Castilhos de forma ufanista era o paradigma integracional, modelo incomum em estradas de rodagem.
Naquela época, primórdios do século XX, informa Antonello, os automóveis tinham no mostrador o máximo de 60 kms por hora, todavia, velocidade nunca atingida. Diz mais, que ao longo da subida da Julio de Castilhos havia cochos de água para matar a sede da mulada e refrescar os fumegantes Ford, modelo A. O primeiro munícipe em sua deslumbrante retórica prossegue quanto a construção da estrada, destacando o subdesenvolvimento: “A Julio de Castilhos que atravessa montes e vales foi feita toda ela a mão. Nenhuma máquina. O animais de aço não chegavam até nós porque éramos sub-infra-desenvolvidos, mas o meláfiro e o basalto das Antas caíram ante o ímpeto da dinamite e marreta.
Em sua eloqüência, agora critica, afirma Antonello: “Nos gabinetes oficiais, no entanto, preparavam-se novos traçados rodoviários. O pior era de que o que o órgão federal fazia, o estadual nem dele sabia e nossa riqueza andava aos tropeços entre buracos, pedras e poeiras, passos e barcos e vencia mortificada a amargura de uma época diferente até que um dia surgiu a notícia da BR-2, que partiria de Jaguarão e atravessaria o Brasil continental. O Rio Grande do Sul passaria a ter o privilégio de sua fenomenal rodovia, a segunda em importância na economia da Nação. Mas a BR-2 não passaria por Caxias do Sul e sim pelos lados de São Francisco de Paula, contornando as cabeceiras dos nossos mananciais hidráulicos e de vales profundos. O lançamento veio precedido de retumbante noticiário laudatório. Os caxienses não gostaram”.