Não
esperava. Deveras inesperado, uma agradável surpresa. Noite dessas, mais
exatamente numa madrugada de uma sexta-feira, pela falta de sono, com o
controle na mão, busco na televisão por mais de 100 canais, mentiroso exagero,
propaganda enganosa, mas é assim que informa a publicidade. Passo pelos
chamados canais abertos e a cabo. O que foi inesperado é que um canal aberto de
grande audiência, como o da Rede Globo, habitual exibidor de filmes típicos de
ações de enredos absurdos, característicos de aventuras com roteiros surreais,
de corridas desvairadas e colisões de carros, de explosões mirabolantes, das
comédias americanas de imbecil besteirol, pois bem, de forma inusitada, foi exibir
um filme que não é comum na grade de programação da emissora. O filme era
aquele que durante algum tempo desejava assistir. Na época, no circuito
comercial sua exibição durou pouco tempo, inadequado ao sucesso de bilheteria.
Explica-se: pela trama elaborada, diferentemente de filmes populares e por ser
um filme argentino. Perdi a oportunidade de assistir pela rede GNC e então a Rede
Globo, por aquilo que não era esperado, me proporcionou a oportunidade de
assistir o excelente O Segredo dos seus olhos, filme que conquistou o Oscar de
melhor filme estrangeiro em 2010. O filme é excelso, sublime, enternecedor, e
provocativo. Mexe com os sentimentos humanos, com a inquietude das pessoas,
revela mesquinhez, sórdidas atitudes. O roteiro focaliza os anos de chumbo da
ditadura militar argentina (época 1974), de dúbias decisões do poder jurídico,
das propositais e interessadas falhas nas investigações policiais de um crime a
ser desvendado. Paralelamente conta a estória fantasiosa de um romance não
correspondido, de amor platônico, de um personagem sofrido com a solidão. Desde
as primeiras cenas até o final surpreendente, pelo castigo ao assassino e pelo amor
nada conclusivo. O enredo: Benjamim Espósito, protagonista principal é um
aposentado com o cargo de oficial de justiça de um Tribunal Penal. Por isso tem
a oportunidade, tempo suficiente para escrever um livro a partir de sua
experiência como investigador de um homicídio. Conta uma história trágica, um
crime, um estupro seguido de um assassinato, de uma bela jovem, parte de cenas
fortes e medonhas. Na filmagem esse crime é refeito pelo diretor em flashback,
quando do interregno na narrativa para revelar como ocorreu o crime. Na
investigação Espósito tem ajuda do amigo Pablo e de sua superiora no tribunal
Irene. Aí a outra parte do filme, romântica, sublime, enternecedora. Espósito
nutre um amor recolhido a sua chefe Irene. Não se revela, fica indefinido,
guarda segredo. Tem receio em verificar que suas expectativas, que suas
fantasias não serão correspondidas. Espósito, pela diferença social, pelo
posicionamento superior profissional de Irene, sua amada, o inibe em
revelar-se, em declarar seu amor. Entre
o crime ocorrido, e a trama de sua história para seu livro a ser escrito,
passam-se 25 anos (por isso o uso do flasback). Anos de solidão, de um amor não
revelado. Sente amargura de uma existência inexpressiva, um ex-dedicado
burocrata em busca de sua realização como escritor. Essa profunda sensação de
esquecimento, de abandono é traduzida quando Espósito revela toda sua desilusão,
o desengano de um amor nunca conquistado. Diz: “Uma vida vazia, cheia do nada”.
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