O cantor e compositor
de sucesso, o gênio musical Belchior, nos últimos 10 anos ficou longe da fama,
da vida de celebridade. Afastou-se dos palcos, das apresentações públicas.
Escondeu-se para tornar-se um anônimo. Perambulou por ai, vagueou sem rumo, não
tinha uma direção certa, percorreu caminhos desconhecidos, na busca de estabelecer-se,
encontrar um
paradeiro definitivo. Levou uma vida de nômade. Vida atribulada. Por não pagar
pensões alimentícias das duas filhas respondeu a processos judiciais. Na área
trabalhista também teve problemas. Contas bancárias foram bloqueadas. Vida
cheia de percalços na última década.
Incompreensível
para quem estava fadado ao sucesso, a fama. Acreditava-se que assim poderia ser
no começo, lá no nordeste, no interior de Ceará onde nasceu. Faleceu no sul, no
Rio Grande. Esteve no Uruguai e em diversas cidades gaúchas. Errante morou pelo
interior gaúcho, em casa de amigos, até em instituição de caridade. Em hotéis
não pagava a estadia. Talvez um dos seus sucessos musicais revele esse seu
destino: “Sou apenas um rapaz latino-americano, sem dinheiro no banco, sem
parentes importantes, vindo interior”. Com seu falecimento o “sou” passou a ser
“era”. Ele era assim, foi alguém que “trazia na cabeça uma canção do rádio, em
que um antigo compositor baiano dizia que tudo é divino, tudo é maravilhoso”.
Versava, lamentando-se: “caminhando meu caminho e não tenho um amigo sequer”. Suas letras enigmáticas revelam um artista
angustiante. Ocasionalmente materialista, suas composições às vezes ambíguas arrebataram
e extasiaram gerações. Músicas de enlevo, de amor, revelando sentimentos em
suas meditações, refletindo também sobre política e a sociedade. Era um homem no
seu tempo. Suas composições estão impregnadas de romântica poesia, muitas vezes
contestadoras, justamente verdadeiras e revolucionárias. Compositor de canções
em algum tempo tratado como brega, para outros um mero cantor romântico. Essas
pessoas talvez não entenderam ou não deram importância as suas letras, sequer
prestaram a atenção na mensagem de Belchior. Em um dos primeiros sucessos,
Mucuripe, revela ao que parece alguma amargura: “As velas do Mucuripe vão sair
para pescar; vou mandar minhas magoas; pras águas fundas do mar”. No álbum de
1976, Alucinação, versa de modo recorrente sobre a solidão, juventude, sobre a
rotina do cotidiano: “Eu não estou interessado em nenhuma teoria; em nenhuma
fantasia; nem no algo mais”. Político em “Tudo outra vez”, em tempo da Lei de
Anistia, a letra interpreta o retorno dos exilados pela ditadura militar. A
marca da obra musical de Belchior, um dos clássicos do cancioneiro nacional,
inesquecível sucesso é “Como nossos pais”. A letra de linha poética ficou inolvidável
na expressiva e maravilhosa interpretação de Elis Regina: “Não quero lhe falar
meu grande amor, das coisas que aprendi nos discos, quero lhe contar como eu
vivi, e tudo aconteceu comigo, minha dor e perceber que apesar de termos feito
tudo, tudo, tudo que fizemos ainda somos os mesmos e vivemos, ainda somos os
mesmo e vivemos como nossos pais”
Nenhum comentário:
Postar um comentário