domingo, 18 de fevereiro de 2018

Dolorosos cinco anos: boite Kiss


A vida vale a pena quando nosso jeito de agir e de amar deixa marcas na memória e no coração das pessoas com quem vivemos, repartimos projetos e sonhos. Ricki tua vida não foi em vão. Tua marca em nós ficará para sempre.
O texto foi publicado como convite para a missa do quinto ano de falecimento do jovem Ricardo Custódio.
Recordo o passado, reminiscências que se mantém na memória, uma data inesquecível de muita felicidade, para mim e minha mulher. 25 de janeiro, a cada ano a comemoração de um feliz casamento. 25 de janeiro, a cada ano o registro trágico de funesta consequência para 242 pais. 25 de janeiro há cinco anos passados. Domingo pela manhã. No jardim de minha casa apreciava a beleza das flores. Os gerânios vicejantes de variadas cores, as viçosas tagetas com predominância da cor amarela, as multicoloridas cravinas. Com deleite olhava aqueles seres floridos, mágicos e delicados. Mais do que nunca, não poderia ser diferente, a sensação aprazível, afinal comemoraria mais um ano de casamento com um almoço em família. Contemplando a natureza o devaneio é estupidamente interrompido: minha filha esbaforida, assustada, me informa que mais de 200 pessoas tinham morrido num incêndio em Santa Maria.
Arrasante notícia. Sentiu-se de que não havia ânimo para comemorações.  Suspenso o almoço festivo. O trágico acontecimento abalou qualquer ser humano. Uma desgraça que acabou com vidas de jovens em torno de 20 anos. A boite Kiss tornou-se uma fornalha. De repente um monte de plástico com imensa facilidade incendiou-se, virou o Inferno de Dante na Divina Comédia. Imagine-se aqueles jovens correndo na tentativa de fugir das chamas incendiárias. Atônitos não encontraram a porta de saída. Na confusão, no iminente trágico desenlace, acredita-se, ocorreram choques, empurrões, desesperados procurando a salvação, Não encontraram nada. Corpos sucumbiram empilhados de maneira horrenda. Buscavam a vida. Encontraram a morte.
No teatro grego os dramas trágicos encerravam-se com a morte do personagem principal. No trágico palco da realidade morreram 242 personagens.
Fatalidade não. A tragédia poderia ser evitada.  Por falta de fiscalização, de uma vistoria rigorosa, de desrespeito as exigências legais, a tragédia não foi uma fatalidade pois havia previsão de que com aquelas mazelas, uma consequência poderia ocorrer. Ocorreu.  
Ricardo era um jovem farroupilhense. Cheio de vida, de projetos, vivendo a alegria da juventude. Pretendia se divertir naquele sábado em Santa Maria com amigos. Avisou a mãe que domingo à noite estaria de volta, necessitava viajar a trabalho. Não voltou com vida.
Conversei com a professora Rosaura, mãe  de Ricardo, parecia falar de modo tranquilo, embora a voz se mostrasse embargada pela emoção. Demonstrou que contra o destino nada poderia fazer, mas uma coisa afirmou com segurança: ter a faculdade de conservar e lembrar sempre a memória do filho. No diálogo Rosaura não mostrou inquietude. Mas quem saberá o que ocorre no âmago, na alma, no coração de uma mãe marcada por trágica desventura. Profundos sentimentos aflitivos e angustiantes irão conviver dramaticamente e inevitavelmente com Rosaura e outras 241 mães por longos e dolorosos anos.

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