Dirijo-me ao templo de preferência da sociedade consumidora. Vou até a representação máxima, catedral imponente do capitalismo: shopping. Chego até ali porque somente naquele lugar tem salas de cinema.
Para chegar até lá tenho que ingressar no pátio descoberto compreendido como estacionamento e para isso supero um obstáculo tecnológico, uma cancela movida por sofisticado aparelhamento. Paro o carro ao lado de uma caixinha de metal exatamente no local, nem um pouco à frente, muito menos um pouco atrás. De dentro da caixinha ecoa uma voz feminina de comando, de timbre uniforme e metálico, sem alma e emoção, informando o que você deve fazer. Faço o que manda a mecânica voz: aperto o botão e “abre-te Sésamo”, cancela aberta. O aperto no botão, de forma automática abre a cancela e expele um bilhete. No verso há devidas informações: não deixá-lo no interior do carro ou extraviá-lo sob pena de severa restrição.
Diante disso, da necessidade de um cuidado maior, eu, como muitos homens avoados e distraídos, por medida de segurança, deixo o bilhete sob proteção de minha mulher, ela como todas as outras mulheres, organizadas e responsáveis.
Carro estacionado. Vamos ao lazer, assistir uma sessão de cinema. Pipoca comprada, água mineral sem gás e o filme. Agradável, bom momento de entretenimento. Satisfeito, volta para casa. Busca-se o bilhete que dá a autorização de saída para o devido pagamento. Minha mulher procura. Não encontra o bilhete. Não admite tê-lo perdido. Inconcebível. Vasculha a bolsa. Coloca todos os pertences para fora. Nada do bilhete. Indignada com ela mesma, jamais poderia pensar no que aconteceu. Resignada chega a conclusão de que de fato perdeu o bilhete justamente ela. Se ainda fosse o maridão, tudo bem. Mas com ela, nunca. Providências são necessárias para sair do estacionamento. Peço informações e me dirijo ao local indicado onde o procedimento será feito. A atendente me informa o que devo fazer: preencher duas folhas de papel com informações iguais, uma como proprietário do carro, outra como motorista, ação que parece mais ser um boletim de ocorrência policial ou uma ficha de nada consta, enfim, curiosos em saber de minha vida pregressa, pagar 15 reais - preço de uma entrada de cinema. Em todo esse processo se gasta aproximadamente 20 minutos, período em que me sujeitei a passar pelo vexame. O fornecimento dos dados ocorre ao lado do guichê onde as pessoas – as não distraídas - pagam regularmente suas taxas de estacionamento. Apoquentado com o preenchimento pensei o que as pessoas ao lado passavam e pensavam:
- Olha o distraidão! Trouxa! Enrolado!
Tudo resolvido, mas há revolta, resmungos. Tempo perdido com o ritual de procedimento, 15 reais jogados fora. Em seguida vem a reflexão, a voz da razão, a racionalidade, o ponderável, o razoável. E se o carro é arrombado, furtado. Responsabilidade da empresa concessionária pelo estacionamento. Terá que indenizar. Não há dúvida, resguarda seus direitos. As coisas se impõem por um simples e necessário bilhete.
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