Relatei por duas vezes minha passagem pela européia Buenos
Aires de ancestrais italianos, que fala espanhol e que busca um estilo de vida
de um lorde inglês. Percorri os tradicionais e famosos pontos turísticos da esplendorosa
capital portenha. Numa segunda oportunidade esquadrinhei o lado triste da
história contemporânea argentina, cheguei a um lugar trágico marcado pelo
passado tenebroso não como turista, mas como um melancólico curioso, desejoso
em conhecer o local da prática de milhares de atrocidades, reminiscências em
que o Estado déspota foi o algoz, passado de ações pungentes em que verdugos enterraram
a democracia, sede da EMA.
Realizei todas as visitas, do bem e do mal. Visitei também, mas
na ocasião, por um lapso qualquer não fiz menção e faço agora muito justificadamente
e por real importância: trata-se da Catedral Metropolitana de Buenos Aires.
Está localizada no centro da cidade, na Praça de Maio, vizinha a Casa Rosada.
Foi ali, durante alguns anos, que o arcebispo Bergoglio, agora papa Francisco, exerceu
suas funções.
A catedral é imensa, seu interior suntuoso, com uma nave
grandiosa, onde se encontra o mausoléu do general José de San Martin, herói
argentino de sua independência. Não parece ser uma igreja, não há construção
das tradicionais torres. Sua fachada é um perfil que não é comum num templo
católico, diferente por trazer linhas arquitetônicas do clássico grego. Seu
frontispício com 12 colunas parece muito com o Partenon ateniense.
As histórias de um tempo de tirania militar, muito
desabonadoras, estão ligadas à catedral de Buenos Aires, à igreja católica
argentina. Nos anos de horror da ditadura alguns padres tornaram-se delatores,
outros simplesmente se omitiram diante da crueldade, de atos desumanos, dos
carrascos da liberdade.
Muitos padres se amedrontaram pelas palavras e conceitos de
tiranos generais. Falavam num possível domínio de extremistas, na probabilidade
de um governo de subversivos, na ameaça do poder marxista, com a implantação da
ideologia comunista, da verossímil e terrível situação de que os primeiros a
irem ao “el paredon” seriam os padres. Muitos e muitos deles, com medo, se
calaram. Compreende-se.
***
***
Deixo a catedral e a cidade de Buenos Aires, do túmulo do
libertador San Martin e me dirijo para o interior, para Rosário e Córdoba,
lados em que nasceu e morou Che Guevara. De carro, em boa estrada, percorrendo
300 quilômetros a chega-se a Rosário onde nasceu Che Guevara no passado e no
presente Lionel Messi.
De Rosário a Santa Fé são 170 quilômetros. De Santa Fé não
custa percorrer um pouco mais de 20 quilômetros ao lado e ir até a cidade de
Paraná, isso porque parte do caminho (três quilômetros) se faz por um túnel
fluvial por baixo do Rio Paraná que liga as duas cidades. Retorna-se ao trajeto
em original: de Santa Fé para Córdoba, distante 700 quilômetros de Buenos
Aires. Córdoba é uma cidade universitária, a segunda mais importante da
Argentina e de muita história. Como estamos em tempos jesuíticos, um dos
principais pontos turístico é a quadra de prédios históricos, as Manzanas
Jesuíticas, a igreja da Companhia de Jesus e o conjunto da segunda universidade
mais antiga da América do Sul. Também na região pode se conhecer a Casa Museu
de Che Guevara, onde ele viveu por alguns anos em busca de um bom clima para
seu problema asmático.
Coincidentemente, quando estive em Córdoba, ocorreu o
julgamento e condenação de três militares acusados e algozes de verdadeiras
chacinas em tempo de tirania argentina. Lá ainda se faz Justiça. Por aqui
simplesmente se reconhece que o deputado Rubens Paiva morreu após tortura
militar e como consolação a família do jornalista Vladimir Herzog recebe um
novo atestado de óbito, reconhecendo que ele não se suicidou, mas sim, foi
assassinado pela força opressora ditatorial militar.
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