Faz tempo, muito tempo faz quando fui jovem. Jovem em um
tempo muito distante, longínquo mesmo da espetacular inovação e modernidade que
o jovem de hoje tem, como a internet e o telefone celular.
Jovem no período remoto quando o sucesso musical
internacional eram os Beatles e cenário nacional dominado pela Bossa Nova e as
composições de Gil e Caetano, estilos muito afastados do atual modernismo da
música sertaneja, do funk e do rap.
Jovem num Rio de Janeiro de paisagens deslumbrantes,
belíssimo como hoje ainda é. Um jovem carioca que depois de adulto seguiu o
caminho traçado por influência familiar, chegando à outra paragem, para ficar
junto ao aconchego dos pais gaúchos, que no Rio também viveram.
Nasci na sofisticada, atraente e famosa Zona Sul, bairro do
Botafogo, imagem colorida e seleta dos turistas, mas a minha ligação com a
região termina aí. Minha vida de jovem foi vivida além dos túneis, adiante do
centro da cidade, do Maracanã, limites máximos de requintados habitantes do
Leblon, Ipanema, Copacabana e adjacências e dos turistas. Morei além desses
locais, na Zona Norte primeiro no bairro Piedade e depois muito mais além, em
Anchieta.
Jovem carioca, apreciador de belas praias, de areia branca,
mar azul, outras não iguais assim, sujas e poluídas, mas sempre, em qualquer
ocasião desfrutando junto ao mar, livre e solto, a envolvente natureza.
Morador suburbano tinha como opção a praia de Ramos, já na
época não muito agradável pela marginalização, fazendo parte hoje do complexo
de favelas da Maré e pela poluição. Alternativas então, a praia do Galeão,
embaixo da ponte, na Baía da Guanabara, em direção ao aeroporto e as praias da
Freguesia ou Bananal na Ilha do Governador. Quando havia disposição para
encarar num domingo muito quente um ônibus lotado e percorrer uma distância
mais longa, o caminho era a Barra da Tijuca, às vezes se aventurar até o
Recreio dos Bandeirantes.
Jovem de outrora, de outros tempos, na formação da
personalidade que não foi talvez, tão desigual ou variada quanto ao jovem de
hoje, ou será que é. Hoje há o Black Blocs.
Jovem das praias, do Maracanã, da incúria, do desleixo, de
chutar a vida de modo fútil como dar um
pontapé em algum objeto na calçada, sem motivo, de esgueira, mas feliz da vida,
com tudo que é bom, sem remorso, sem tirania, liberto totalmente, vivendo a
vida como se o amanhã não existisse.
Época do jovem, simplesmente por ser jovem, desajustado,
errado, de pensamento contrário as regras, descompassado com a ordem natural
das coisas, mas assim mesmo autoconfiante convencido de que está unicamente acertado,
contra todos, contra tudo, num compasso diferente à razão, ao razoável, ao
decididamente exato, ao verdadeiro. Tempo do jovem alienado que tenta colocar
pinos redondos em buracos quadrados, do jovem da indisciplina na vida, buscando
caminhos desvirtuados em todas as direções, sem medo das frustrações porque nem
sabe, não tem consciência do que é enganar a si mesmo. Jovem do jeito pueril,
da ingenuidade quase infantil.
Predomina unicamente o fascínio pela vida, a vida vivida sem
tormentos, despreocupadamente, sem compromissos, sem acreditar na
inevitabilidade do destino. O passado é recente, inexpressivo. O futuro nem
pensar. O presente, esse sim, para ser vivido com muita intensidade.
Vista pelos jovens a vida é um futuro importante longo;
vista pelos velhos um passado muito breve. Palavras filosóficas de
Schopenhauer. Deve ser assim o pensamento do jovem com o destino de logo ali
adiante no tempo ser um velho.
A vida do jovem autenticamente sem mistérios, nada há para
esconder. Dos amores impossíveis conquistados e dos possíveis abandonados. Os amores
conseguidos pela persuasão amorosa, perdidos sem razão, sem ressentimentos,
amargura ou saudade. Rápido o jovem esquece, a ingratidão desaparece. Por um amor perdido acha-se outro.
A lógica amorosa do jovem nem sempre é frugal. É volúvel e
leviana por natureza.
O jovem de ontem que
eu fui e do adulto depois, observou a passagem, o comportamento de centenas e
centenas de outros jovens. Durante 30 anos, como professor, acompanhei jovens
contemporâneos, estudantes da escola pública, a grande maioria de classe média
baixa. Pertencentes a esse grupo social os
poucos jovens que chegaram a conclusão do ensino médio, evidentemente mais realizados,
do que aqueles muitos que encerraram seus estudos no ensino fundamental. Jovens
que chegam a essa etapa da educação com o ensino médio, mas que
irremediavelmente, na imensa maioria param por ai. Não há condição financeira
para prosseguirem. Não deslumbram o otimismo, não existe esperança, não é
possível frequentar um curso superior e com isso ficam sem um desejável
horizonte, um promissor futuro. Sentem-se derrotados, fracassados, angustiados,
inibidos diante dos desafios impostos pelas desigualdades sociais, pelo
desequilíbrio da sociedade, pela injustiça provocada por desmerecidos governos.
Jovens desconfortados pelas imposições econômicas, sem entusiasmo, deslumbrados
enganados, que não tem esperança de uma condição de vida econômica digna, do
razoável para o melhor. Jovens brasileiros que certamente como adultos nessas
condições, gerarão no futuro provavelmente os mesmos jovens brasileiros pertencentes
ao mesmo estrato social.
E a vida continua. Todos os jovens que foram e aqueles que
serão, aguardando ansiosos e angustiados, pelo fim das injustiças sociais.
Falei do jovem que fui e dos jovens que são. Dos jovens da
vida comum, do cotidiano, da classe média e do proletariado. Não dissertei, não
expôs qualquer ponto de vista sobre o jovem da classe média alta, o rico jovem.
Não foi possível. Trata-se de um espécime que desconheço, não tive convivência.
Nenhum comentário:
Postar um comentário