segunda-feira, 21 de setembro de 2015

Afinal: quem é você? Pobre coitado?

- Hei...hei...você...quem é você? Alguém pergunta.
- Quem? Eu? Responde surpreendido com outra pergunta o passante.
- Sim, você mesmo. Quem é você, repito?
- Eu? Eu sou brasileiro, trabalhador e por isso faço parte do proletariado.
- Então ideologicamente é comunista ou socialista, ou as duas coisas?
-Nada disso, sem discussão, não entro em controvérsias. Sei apenas que sou sofrido trabalhador, proletário a serviço do capitalismo, que gasta seis horas de seu tempo em transporte, entre idas e vindas da minha casa ao local de trabalho. Passo 14 horas fora de casa das 24 do dia. Sobram 10 horas para vivenciar o aconchego do lar com a família e dormir. É preciso.  Amanhã é outro dia. O sofrido cotidiano continua. O rigoroso sistema de sobrevivência assim exige.
                                                              *** ***                                                                  
Eu...quem sou eu? Sou brasileiro, desempregado, digno de pena. Uma desgraça. Bato perna de um lado para outro na busca de trabalho. Deixo o currículo nos lugares possíveis onde possa haver uma vaga. Já faz tempo e nada consigo. Ando meio desesperado. Meu sustento atual é o seguro desemprego, mas seu prazo de validade está se esgotando. Faço economia. Gasto estritamente o necessário para a condução. Almoço em restaurantes populares. Compro no fiado, tudo anotado no caderno do mercadinho. Algo intocável é o dinheiro guardado e sagrado para pagar a conta no fim do mês. O quê? Cartão de crédito? Esquece. Pobre não tem condição de ter esse luxo. Preciso de um emprego urgentemente. Se assim não for, não sei o que farei. Uma certeza: não serei desonesto.
Como é que é? Minha mulher também desempregada? Nem sei se tem emprego para ela. Se tivesse nada adiantaria. Mais do que um emprego ela tem uma obrigação: ficar em casa e tomar conta dos quatro filhos menores. Trabalhar, difícil. O poder público não oferece creche.
Vida difícil, resignação, submissão as dificuldades. Fazer o quê? Desistir?  Impossível. A vida segue acompanhada de sentimentos inditosos, de infortúnios, coitada vida, sem esperança, sem futuro.                                            
                                                             *** ***
Quem é você? A indagação desta feita é dirigida para mais um infeliz, um desventurado, de martirizada vida. Tímido, sem muitas palavras diz,
quase laconicamente: “Quem sou eu? Adianta responder? Acho que não. Sabe por quê? Porque eu sou nada.
O interpelado nada mais disse, talvez por não ter argumento, provavelmente por não se saber expressar melhor, certamente vergonha.
O sociólogo define: “É o típico brasileiro de vivência miserável, indigente de pobreza extrema”.

Gente que tem sobrevida confiada ao programa da Bolsa Família e aos favores humanitários. Vive dentro de uma coisa que não se pode dizer que se trata de um barraco, casebre, choça ou tugúrio. Trata-se mesmo veridicamente de uma coisa, feita de papelão, sustentada por restos de madeira apodrecida, localizada na periferia, nos confins de uma favela, que os antropólogos socialmente e delicadamente chama de comunidade. Lugar de perigo que está por todos os lados, de conflitos entre policiais e bandidos.  Região que tem escola, mas que muitas vezes não tem aula pela razão da professora ter sido assaltada ou o mais trágico: não há aula porque um coleguinha foi atingido por bala perdida. Na violenta comunidade - eufemismo para favela - sobrevivem os sofridos, resignados e desesperançados brasileiros. Assim de forma lastimável é a vida que segue. Esse indigente e miserável tipo de existência “você conhece”? Certamente não. Razão. Você é um privilegiado nesse mundo de miséria para uma grande maioria. 

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