- Hei...hei...você...quem
é você? Alguém pergunta.
- Quem? Eu?
Responde surpreendido com outra pergunta o passante.
- Sim, você
mesmo. Quem é você, repito?
- Eu? Eu sou brasileiro, trabalhador e por isso faço
parte do proletariado.
- Então ideologicamente
é comunista ou socialista, ou as duas coisas?
-Nada disso,
sem discussão, não entro em controvérsias. Sei apenas que sou sofrido trabalhador,
proletário a serviço do capitalismo, que gasta seis horas de seu tempo em
transporte, entre idas e vindas da minha casa ao local de trabalho. Passo 14
horas fora de casa das 24 do dia. Sobram 10 horas para vivenciar o aconchego do
lar com a família e dormir. É preciso.
Amanhã é outro dia. O sofrido cotidiano continua. O rigoroso sistema de
sobrevivência assim exige.
*** ***
Eu...quem
sou eu? Sou brasileiro, desempregado, digno de pena. Uma desgraça. Bato perna
de um lado para outro na busca de trabalho. Deixo o currículo nos lugares
possíveis onde possa haver uma vaga. Já faz tempo e nada consigo. Ando meio
desesperado. Meu sustento atual é o seguro desemprego, mas seu prazo de
validade está se esgotando. Faço economia. Gasto estritamente o necessário para
a condução. Almoço em restaurantes populares. Compro no fiado, tudo anotado no
caderno do mercadinho. Algo intocável é o dinheiro guardado e sagrado para
pagar a conta no fim do mês. O quê? Cartão de crédito? Esquece. Pobre não tem
condição de ter esse luxo. Preciso de um emprego urgentemente. Se assim não for,
não sei o que farei. Uma certeza: não serei desonesto.
Como é que
é? Minha mulher também desempregada? Nem sei se tem emprego para ela. Se
tivesse nada adiantaria. Mais do que um emprego ela tem uma obrigação: ficar em
casa e tomar conta dos quatro filhos menores. Trabalhar, difícil. O poder
público não oferece creche.
Vida difícil,
resignação, submissão as dificuldades. Fazer o quê? Desistir? Impossível. A vida segue acompanhada de
sentimentos inditosos, de infortúnios, coitada vida, sem esperança, sem futuro.
*** ***
Quem é você?
A indagação desta feita é dirigida para mais um infeliz, um desventurado, de martirizada
vida. Tímido, sem muitas palavras diz,
quase laconicamente:
“Quem sou eu? Adianta responder? Acho que não. Sabe por quê? Porque eu sou nada.
O
interpelado nada mais disse, talvez por não ter argumento, provavelmente por não
se saber expressar melhor, certamente vergonha.
O sociólogo define:
“É o típico brasileiro de vivência miserável, indigente de pobreza extrema”.
Gente que
tem sobrevida confiada ao programa da Bolsa Família e aos favores humanitários.
Vive dentro de uma coisa que não se pode dizer que se trata de um barraco,
casebre, choça ou tugúrio. Trata-se mesmo veridicamente de uma coisa, feita de
papelão, sustentada por restos de madeira apodrecida, localizada na periferia,
nos confins de uma favela, que os antropólogos socialmente e delicadamente
chama de comunidade. Lugar de perigo que está por todos os lados, de conflitos
entre policiais e bandidos. Região que
tem escola, mas que muitas vezes não tem aula pela razão da professora ter sido
assaltada ou o mais trágico: não há aula porque um coleguinha foi atingido por
bala perdida. Na violenta comunidade - eufemismo para favela - sobrevivem os sofridos,
resignados e desesperançados brasileiros. Assim de forma lastimável é a vida
que segue. Esse indigente e miserável tipo de existência “você conhece”?
Certamente não. Razão. Você é um privilegiado nesse mundo de miséria para uma
grande maioria.
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